Tinha acabado de sair da sexta série quando meu irmão mais velho, Jonathan, morreu. Acordei num dia de verão e encontrei meus pais na cozinha com os olhos vermelhos e inchados. Preparei um cereal e sentei. Antes que eu começasse a comer, minha mãe se aproximou.
— Querido, eu não sei como te dizer isso… o Jonathan morreu ontem à noite num acidente grave.
Na verdade, eu não lembro desse momento — é o que meus pais me contaram. Depois disso nunca mais fui o mesmo. Não conseguia me concentrar nos estudos e perdi todo interesse pelo futebol. No primeiro ano do ensino médio meu GPA caiu para 2,1 e, de alguma forma, me formei com 1,6. Acho que a escola forçava formaturas para manter o financiamento. Meses depois, com mais tempo livre, eu continuava igual: dormia o dia todo e só acordava por volta das 18h. Numa noite meus pais me chamaram.
— Escuta, a gente te ama, mas não podemos manter você aqui por muito mais tempo. Você tem que arrumar um lugar até conseguir um emprego e começar a ajudar.
Dias depois liguei para meus avós. Eles, sendo bondosos, me deixaram ficar até eu me reerguer. Comecei a mandar currículos pela cidade e, uma semana depois, uma lojinha familiar me chamou para uma entrevista. Três dias depois fui com uma calça social e uma camisa. O dono, Terry, andava devagar e me perguntou:
— Você é o Ryan? Para a entrevista?
Fui levado até o fundo da loja. O lugar cheirava a desinfetante e estava impecável. Terry perguntou sobre minha disponibilidade; eu disse que estava livre sempre. Ele explicou que precisava de alguém para o turno da madrugada, porque não achavam ninguém. Eu disse que podia e, sorrindo, ele apertou minha mão.
— Esteja aqui amanhã às 22h.
Ao sair, percebi que estava menos nervoso do que imaginava. Ainda tinha dificuldade de concentração e tontura de vez em quando, mas falava mais claro do que antes. Voltei para a casa dos meus avós. Ao entrar, ouvi barulho no meu quarto: minha avó parecia falar com alguém. Abri a porta e não havia ninguém. Associei aquilo a truques da minha cabeça — qualquer coisa para não encarar a verdade. Mal dormi, até pegar no sono e acordar apenas no início da tarde seguinte. Fui à cozinha fazer café e não encontrei meus avós. Havia um bilhete:
"Vovô e eu fomos visitar seus primos em Ixon. Voltamos na sexta."
O problema era que eles tinham saído antes do meu turno.
No primeiro dia de trabalho cheguei às 21h55 — meu pai dizia que "a tempo é tarde demais". No balcão encontrei Melinda, esposa do Terry. Perguntei do treinamento.
— Querido, só precisa passar as compras no caixa. Não há treinamento.
Quando fui ao fundo, vi Terry "ao telefone", falando com o ar. Achei estranho e perguntei. Ele me respondeu como se eu tivesse interrompido algo. Melinda comentou, meio en passant, que ele tinha um tipo de demência ou esquizofrenia não diagnosticada. Fiquei chocado, perguntei se nunca o tinham levado a um médico; ela deu de ombros. Ela me mostrou o básico e foi embora. Estava cansado, encostei no balcão.
Depois de meia hora, um zumbido no ouvido começou, fraco no começo e crescendo até quase me incomodar. Uma hora depois entrou um cliente; quando eu o atendi, ele disse que eu parecia estar fingindo limpar — que parecia que eu movia o ar. Olhei para o balcão: estava limpo, embora eu jurasse de ter tirado coisas dele segundos antes. Fiquei desconcertado. Então avistei, pela vitrine, uma figura do outro lado da rua, só observando. Era uma silhueta. Desviei e, quando olhei de novo, ela estava colada ao vidro. Travei de medo e a encarei por um tempo que pareceu uma eternidade.
Acordei em casa no dia seguinte com dor de cabeça e sem lembrar como fui parar ali. Liguei para o Terry. Ele me acusou de ter saído pela porta dos fundos às 2 da manhã, com o carro deixado no estacionamento — eu não lembrava de nada disso. De repente ouvi passos do lado de fora do meu quarto. Minha avó entrou, me mandou lavar e disse que eu tinha que trabalhar. Era 20h e eu ainda estava com o uniforme. Liguei para o Terry e disse que não iria; ele me sugeriu tirar a semana de folga. Deitei tentando esquecer tudo. Acordei no meio da noite em paralisia do sono e vi a silhueta do lado de fora da janela, me observando. Levantei suando, e no chão havia um abajur quebrado que não estava lá antes.
Duas semanas depois, descansando na casa dos meus avós, achei que estava melhor — só dores de cabeça esporádicas e objetos fora do lugar. Voltei ao trabalho porque precisava do dinheiro. Melinda me abraçou e perguntou se eu estava bem. Terry não veio naquele turno. Depois de um tempo ouvimos barulho na despensa; fui conferir, mas não havia sinal de ninguém. Fiquei apavorado e liguei o telefone da loja, deixando o 911 pronto. O zumbido voltou. Olhei a vitrine e vi a silhueta de novo, maior, vindo em minha direção. Ao me mover, derrubei prateleiras e tentei escapar pela porta dos fundos, mas ela estava trancada. Havia um bilhete de Melinda: "Tranquei por sua própria segurança. Espero que entenda." A porta da frente, contudo, estava aberta. Sem saída, vi uma sombra se materializar e parar mais à frente. Ela falou o meu nome numa voz que eu conhecia.
— Ryan.
Olhei. Era Jonathan.
A polícia me encontrou desacordado no fundo da loja minutos depois. Estou escrevendo isto caso minha memória falhe novamente: não sou louco e sei o que vi. Esta é a minha declaração oficial, para que não atribuam tudo a uma condição mental. Eu sei o que vi, e ninguém vai tirar isso de mim.


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