segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Terror nos Apalaches

Já teve um trampo que você curtia pra caralho e achava que dava pra fazer pro resto da vida? Eu tive, aos vinte e cinco anos. Arranjei uma vaga de guarda florestal no Parque Nacional das Grandes Montanhas Fumegantes. Pra ser sincero, o serviço era moleza. Ficava o dia todo rodando de carrinho de golfe, multando quem furava regra e catando lixo. De vez em quando aparecia uns campistas escrotos, mas fora isso eu amava.

Aí, numa manhã fresca de outono, tudo mudou. Mudou minha vida pra sempre.

Estava rodando de boa quando um casal jovem atravessou na frente do carrinho. Pisei no freio com tudo pra não atropelar. Eles tavam pirados, a mãe com o rímel escorrendo de tanto chorar. Contaram que tavam num trailer e o filho de cinco anos sumiu de noite enquanto dormiam. Tentei acalmar, disse que o moleque devia tá por perto. Mas eles juravam que vasculharam tudo e nada.

Tavam apavorados, já tinham ligado pra polícia — que ainda não tinha chegido. Eu não tinha filho, mas dava pra ver a dor daqueles dois. Como guarda, senti que era minha obrigação ajudar. Enquanto esperavam os tiras, falei que ia dar uma busca numa trilha ali perto. Eles toparam, aliviados. A mulher mandou uma foto do menino no celular. Um guri fofo, sorrindo com um peixe que tinham pescado no dia anterior. Disse que ele usava boné do time favorito do pai e atendia por Jack.

Saí animado, achando que ia achar rapidinho. Já tinha lidado com desaparecidos antes; sempre apareciam em poucas horas.

Fui andando, gritando “Jack!” sem parar. Silêncio total na mata. Rezava pra ele não ter escorregado num riacho e se afogado. Ou, Deus me livre, virado jantar de urso-negro. Tentava empurrar esses pensamentos pra longe.

Quanto mais fundo, mais estranho. Comecei a ouvir um uivo esquisito, tipo coruja, me seguindo. Estudei os bichos dali e nunca tinha escutado nada assim. Coruja sai de noite, né? Mas nesses matos a gente nunca sabe.

Um guarda mais velho, o Gary Maluco, jurava que via Pé Grande toda semana. Dizia que se você levasse um pacote de carne-seca, ele dava tapinha na sua cabeça. Tá bom.

Nada de pegada, nada de menino. Achei que a polícia já tinha chegido e ia soltar os cães. Ia dar meia-volta quando, de repente, uma vozinha respondeu: “Ei, tô aqui!”

Corri pro lado do som. “Jack, é você??”

Silêncio. Achei que ele tava assustado. “Sou guarda-florestal, seus pais tão procurando. Segue minha voz!”

Nada. Mas eu tinha certeza que era ele.

Saí da trilha, entrei no mato fechado. A coruja esquisita voltou. Empurrei galho, rasguei a perna nos espinhos. De repente ouvi de novo, mais perto: “Senhor… me ajuda… tô perdido.”

“Cadê você? Tá machucado? Sai daí, tô tentando te salvar!”

Quebrei galho grosso, sangue escorrendo das canelas. Cheguei numa clareira… e cadê o menino?

No lugar, uma cabana podre no meio do nada. Parecia ter cem anos. Telhado de palha, sem janela, sem porta. Dava pra ver dentro. Um ano de parque e ninguém nunca falou dessa porra.

Curiosidade falou mais alto. Entrei.

Um fedor de podre me acertou na cara. Quase vomitei. Cheiro de coisa morta apodrecendo.

Tudo mofado, tudo velho. Parecia cenário daquele jogo… sabe, aquele que você salva a filha do presidente de um culto zumbi.

No centro da mesa, um caldeirão. Escorria uma gosma vermelha, tipo extrato de tomate. Olhei dentro.

Nunca esqueço.

Caldeirão fervendo sangue. Dedinhos, dedões, nariz, orelhas. Olhos boiando, me encarando. Tudo tamanho de criança.

Caí no chão, hiperventilando. Não era sonho.

Do lado, no chão, o boné. Manchado de sangue. O mesmo da foto.

Algo horrível rolou ali. Peguei o boné e corri pra fora.

Dois velhos nojentos bloqueando a saída. Trapos, cabelo grisalho emaranhado. O cara com barba vermelha na boca. A véia com dentes podres e unhas amarelas.

Começaram a rir e soltar aqueles uivos. Aí entendi: não era coruja.

A véia falou, voz de criança: “Me ajuda…”

Adrenalina explodiu. Tirei o spray de pimenta do cinto. Jato nos olhos daqueles rostos deformados. Caíram gritando, se contorcendo.

Corri que nem louco, horrorizado.

Nunca imaginei que um trampo tranquilo na natureza virasse isso. O coitado do Jack… já era.

Corri sem parar. Cheguei no acampamento. Dois policiais anotando, pais desesperados.

Cheguei voando, quase derrubando um. Agarrei pela gola: “MATARAM ELE! AQUELOS MONSTROS MATARAM! FAÇAM ALGUMA COISA!”

Entreguei o boné ensanguentado. O olhar dos pais… nunca esqueço.

Polícia fechou o parque inteiro. Levaram a gente pra delegacia. Os gritos da mãe ecoam até hoje nos meus pesadelos.

Falaram em me internar. Eu tava destruído.

Mandaram um batalhão tático. Os ferais atacaram; nem falavam humano. Eram bichos que comiam gente pra sobreviver. Encontraram vários corpos. Todos devorados, mutilados. Igual o Jack.

Não me internaram, mas fiz anos de terapia. Remédio, surtos de estresse pós-traumático. Larguei o emprego. Nunca mais pisei na mata. Demorei pra comer direito. Sabendo o que rolou com a criança… perdi mais de cinquenta quilos. Várias internações.

Hoje, anos depois, consegui deixar pra trás. Mas nunca esqueço o horror.

Na floresta, o povo teme urso ou se perder. Eu vi o terror de verdade: caipiras selvagens caçando campistas inocentes. Centenas somem todo ano. Eu vi o que acontece com eles.

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Escritor do gênero do Terror e Poeta, Autista de Suporte 2 e apaixonado por Pokémon