Sinto que estou enlouquecendo depois do que aconteceu nos últimos dias. Todo mundo a quem contei essa história ou caiu na risada ou simplesmente deu de ombros, achando que eu estava inventando. Estou postando isso aqui porque, considerando as toneladas de fantasias sexuais bizarras e teorias conspiratórias sobre lagartos no governo que circulam na internet, talvez alguém tenha ao menos o bom senso de me ouvir.
Moro em uma cidade quente e úmida o ano inteiro. É ótimo não precisar de casaco de inverno, mas o preço disso é que qualquer casa vira o paraíso de todo tipo de inseto nojento.
O problema no meu apartamento começou há uns dois meses.
Comecei a ver uns pontinhos pretos no canto da visão, mas eles sumiam sempre que eu tentava olhar direto. Pesquisei no Google, e só encontrei aquelas respostas de sempre: podia ser glaucoma, moscas volantes, ou — claro — o clássico diagnóstico da internet: “você vai morrer em poucas horas”.
Decidi ignorar. Achei que podia lidar com isso. Não pareciam muitos e apareciam de vez em quando.
Mas tudo mudou quando eles começaram a mover as coisas.
Lembro perfeitamente de um dia em que minhas chaves do carro — que eu sempre deixo numa tigela na cozinha — apareceram no canto da sala, no chão.
Antes que algum engraçadinho diga que eu só estava distraído, me responde: por que diabos eu pegaria as chaves da tigela e colocaria do outro lado do cômodo, no chão?
Naquele ponto, eu ainda não suspeitava dos pontinhos — era cedo demais, e eu mal os via.
No dia seguinte, uma das cadeiras da sala apareceu na cozinha.
Uma semana depois, comecei a ver sombras correndo por baixo da porta à noite. Eu estava vendo TV e via uma mancha escura passar rápido sob as cadeiras. Também comecei a ouvir barulhos — arranhões nas paredes, passos na cozinha — sempre à noite, quando eu prendia a respiração pra prestar atenção.
O condomínio tinha parceria com uma empresa de dedetização chamada NoMoBugs (sim, nome horrível). Tirando uns panfletos no quadro da portaria, nunca ouvi falar dela — nem na internet.
Liguei pro número que estava no panfleto. O primeiro toque mal terminou e uma voz já atendeu:
— “Você ligou pra NoMoBugs! Onde qualquer praga será eliminada!”
A voz soava ensaiada, tentando fazer parecer um slogan, mas as palavras “praga” e “eliminada” não rimavam nem um pouco.
— “Ah... então... eu tô com um problema de insetos no meu apartamento.”
Comecei a dar meu endereço, mas a voz me interrompeu:
— “Quem— digo, que tipo de insetos estão te incomodando?”
— “Na real, eu não sei direito. São uns pontinhos pretos que vejo no canto do olho. Dá pra ver as sombras deles por baixo da porta, e eu ouço barulhos nas paredes. Talvez ratos? Não sei.”
A voz ficou de repente muito grave:
— “Enviaremos alguém ainda hoje. Esteja pronto.”
E desligou.
Eles chegaram por volta das sete e meia da noite — e, se eu não estivesse tão irritado com os bichos, teria achado bem rude aparecerem tão tarde.
Abri a porta pra dois caras em trajes de proteção completos: um verde, outro amarelo. As máscaras cobriam a cabeça inteira, com uma viseira espelhada que impedia de ver o rosto. Fiquei preocupado.
Será que eu devia estar usando um desses também? Será que eu tinha pegado algum tipo de câncer de superinseto?
— “Ah... entrem.”
Assim que falei, eles entraram e foram direto pra sala.
— “Ooh, sim.” — disse o do traje verde, com a voz abafada pela máscara. — “Você tem praga, sim senhor.”
— “Beleza. Vocês conseguem resolver? Vai demorar quanto tempo?”
— “Vinte.”
— “Vinte? Tipo vinte minutos? Vinte horas?”
O cara de verde olhou pro outro e riu:
— “Esse cara é engraçado.”
— “Você vai agora. Nós trabalhar.” — ordenou o do traje amarelo.
Outra coisa que teria me irritado, se eu não estivesse tão desesperado. Mas, já que pareciam levar a sério, resolvi deixar que fizessem o trabalho.
Erro fatal.
Quando voltei, já dava pra ouvir barulhos de arrasto e marteladas, como se tivessem transformado meu apartamento num canteiro de obras.
O lugar estava um desastre.
Mesas viradas, buracos nas paredes, poças de uma gosma gordurosa e iridescente no chão.
E então vi — e meu sangue gelou.
Um dos homens estava de quatro, de cabeça pra baixo, preso no teto, com a máscara removida.
No lugar da cabeça humana, havia uma de barata — enorme, grotesca, viva.
As antenas se mexiam, o som das mandíbulas estalando ecoava pelo cômodo, e uma trilha de saliva oleosa escorria da boca até o chão.
No canto, havia uma estrutura gigante, como um ninho de vespa monstruoso.
Antes que eu pudesse reagir, o homem-barata caiu do teto e ficou de pé na minha frente.
— “Você volta cedo demais.” — disse ele, limpando a boca com a mão e espalhando a baba no traje.
— “Que porra tá acontecendo aqui?”
— “Muitos insetos. Muito bom.”
Antes que eu entendesse, ele bateu a mão na parede.
Quando levantou, um resquício amarelado, viscoso, grudava na luva — parecia gema de ovo podre.
Ele levou a mão à boca e, com as mandíbulas, devorou aquilo, lambendo os restos com cuidado.
Então, ouvi a descarga do banheiro, e o outro — o do traje verde — saiu.
— “Ah, merda, ele voltou. Matamos ele agora, sim?”
Fui agarrado antes mesmo de pensar. A porta bateu atrás de mim com força.
Senti minhas costas contra a parede e as mãos escorregadias e gordurosas apertando meus ombros.
O bafo quente do bicho me envolveu.
Cheirava a banheiro público misturado com leite azedo.
As mandíbulas estalaram mais uma vez enquanto ele se inclinava sobre minha cabeça.
— “ESPERA! EU PRECISO TE DIZER UMA COISA SOBRE OS INSETOS QUE VOCÊS ESTÃO COMENDO!”
— Gritei no desespero.
Não fazia ideia do que eu poderia dizer pra impedir que esmagassem minha cabeça, mas isso o fez recuar.
— “Fala logo. O que é?”
No canto do olho, vi o cara do traje verde abrir minha geladeira, pegar umas fatias de presunto, montar um sanduíche de insetos e se jogar no sofá pra assistir Wheel of Fortune.
— “Vocês... querem o meu apartamento?”
— “Sim. Por isso matar você.”
Olhei por cima do ombro dele e vi o estado do lugar:
Um homem-barata comendo um sanduíche asqueroso no meu sofá, vendo TV, com um ninho enorme construído em volta da tela.
Meu quarto coberto de gosma e tripas de insetos esmagados, os lençóis empapados daquela baba oleosa.
Nem quis imaginar o estado do banheiro — o cheiro devia ser infernal.
— “Cara... podem ficar. Eu pego minhas coisas e vou embora.”
— “Sério? Você sério?” — perguntou ele, tirando as mãos dos meus ombros.
— “Tô. Tudo seu, parceiro.”
Demorei um pouco pra achar roupas que não estivessem cobertas de baba. Peguei só o essencial e fui até a porta.
Antes de sair, me virei.
— “Uma última pergunta... por que o meu senhorio fez parceria com vocês?”
— “Senhor... o quê?”
Os dois estavam sentados no sofá, se encarando com o que parecia ser uma expressão confusa — de barata.
— “Deixa pra lá. Aproveitem o que sobrou do apartamento.”
No caminho, resolvi parar no apartamento do senhorio pra avisar que eu estava indo embora — e apresentar os novos inquilinos invertebrados.
Bati na porta.
Ela se abriu, e do outro lado estava uma barata do tamanho de um homem, vestindo bermuda jeans e regata, tomando uma cerveja que eu nunca tinha ouvido falar: Pest Pilsner Ever.
Desde então, estou dormindo em sofás de amigos. Tentando me reerguer depois de perder praticamente tudo.


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