quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Enquanto reformava minha casa, descobri um espaço de rastejo. O diário lá dentro tinha entradas sobre mim...

Só moro aqui há um mês. Não é grande coisa, mas peguei o lugar por um bom preço. Com certeza é uma casa pra consertar. Fica num bairro bom e tranquilo, então pra mim foi óbvio. Sou bem prático e manjo de ferramentas, então calculei que daria conta da maior parte do trabalho físico sozinho. Trocar carpete e drywall era o primeiro da lista. A casa é bem pequena, então eu sabia que conseguiria fazer quase tudo por conta própria.

A primeira semana foi de boa: arranquei o carpete da sala e passei uma demão de tinta fresca. Os dias eram longos, mas o trabalho tava valendo a pena. Eu fazia a maioria das reformas quando chegava do trabalho, então, no fim de cada dia, minha cama tava me chamando. Toda noite, quando deitava pra dormir, ouvia um arranhar leve. Parecia vir de dentro da parede do meu quarto. O que só podia significar uma coisa: eu tinha roedores, com certeza. A casa era velha e os caras que moravam aqui antes fizeram um péssimo trabalho com a manutenção. Infelizmente, não tinha muito o que fazer. O dinheiro já tava curto e eu não podia pagar um exterminador no momento. No começo, tentei ignorar e só disse pra mim mesmo que resolveria quando pudesse.

As noites seguintes foram bem parecidas.

Trabalho. Reformas. Sono.

Depois de uma semana monótona de trampo pesado, algo estranho aconteceu: o arranhar leve, que eu já tinha me acostumado a ouvir, parou de repente.

No começo, nem percebi. Mas naquela noite, deitado na cama, notei que a casa tava completamente silenciosa. Prendi a respiração, esperando.

Nada.

Pela primeira vez em semanas, relaxei. Silêncio. Silêncio puro, lindo.

Eu tava quase pegando no sono quando ouvi de novo. Não do meu quarto, não. Do quarto de hóspedes do outro lado do corredor. Justo quando pensei que tinha dado sorte, voltei pra dura realidade de ser dono de casa.

Tirei folga do trabalho no dia seguinte pra terminar mais uns projetos pela casa. Faltavam só mais algumas coisas grandes pra resolver.

Depois de trabalhar o dia todo, peguei uma comida e liguei pro meu amigo Mike. Tava tão puta ocupado com a casa que tava difícil manter a vida social. O Mike era faz-tudo também, então qualquer dúvida sobre a casa eu sabia que podia passar por ele.

“Cara! Como tá indo a casa?” o Mike perguntou.

“Na real, tá ficando melhor a cada dia. Só que é extremamente demorado. Ah, e por falar nisso, é normal sentir que tô sangrando dinheiro?”

“Ah, sim, bem-vindo ao doce mundo da casa própria!” Ele disse, rindo.

“Pergunta rápida. Já lidou com ratos na sua casa? Juro que tô ouvindo eles nas paredes.”

“Não, cara, isso aí é fantasma, você tem fantasmas.”

“É, bom, quem sabe eles não livram a casa dos ratos!”

Conversamos mais um pouco antes dele me deixar voltar pro resto das melhorias. O último projeto era o quarto de hóspedes. Tinha que arrancar o carpete e tirar um papel de parede horrível.

Eu tava prestes a entrar no quarto de hóspedes quando notei que a porta do meu quarto tava entreaberta. Eu tinha certeza absoluta de que tinha fechado. Virou hábito desde adolescente: toda vez que saía do quarto, fechava a porta. Pensei que talvez o cansaço tava me pegando. Mal podia esperar pra terminar essa porra de casa.

O carpete saiu fácil. O papel de parede foi outra história. Demorou uma eternidade. O resto do papel tava no armário. Eu tava mais ou menos na metade de tirar o papel do armário quando dei de cara com o espaço de rastejo. Tava completamente coberto e, quando vi, admito que levei um susto.

Usei a lanterna do celular pra espiar lá dentro e foi aí que vi.

As fezes de rato. Eu sabia. Sabia que tinha alguma coisa rastejando ali atrás. Fiquei aliviado por não tá louco. Justo quando ia fechar de novo, notei algo no canto mais fundo.

Travesseiros e um cobertor. Velhos e empoeirados. Restos do passado, sem dúvida.

Mas tinha mais uma coisa: um livro, tipo um diário.

Tava coberto de poeira e as páginas, murchas. Essa coisa tava ali há um tempão.

Li a primeira entrada.

Entrada 1: “Sempre tô sozinho. Ninguém nunca vê como EU tô. Eu amo eles, por que eles não me notam?”

Virei mais algumas entradas, todas na mesma caligrafia bagunçada.

Entrada 3: “Às vezes ouço eles se mexendo lá em cima. Queria estar lá com eles. Sinto falta de fazer parte das coisas.”

Entrada 5: “Vi eles saindo hoje de manhã. A casa fica tão quieta quando eles vão embora.”

Entrada 6: “Gosto desse cantinho escondido. É como se eu pudesse escapar da realidade. Deixar todos os meus problemas do outro lado dessa parede.”

Não dava pra saber se a pessoa tava solitária, delirando ou só escrevendo uma história creepy. As entradas eram estranhas, mas não ameaçadoras de cara. Ainda assim, algo naquela frase, “a casa fica tão quieta quando eles vão embora”.

Estranho.

Deixei o diário de lado e peguei o celular.

“Fala” o Mike atendeu. “Não me diz que achou os fantasmas.”

“Quase isso. Mas ó” eu disse, segurando o riso. “Tava tirando papel de parede no armário do quarto de hóspedes, né? Achei um espaçozinho de rastejo. Fezes de rato, nojento pra caralho, mas também esse diário velho pra cacete.”

“Diário?”

“É, ouve isso. ‘A casa fica tão quieta quando eles vão embora.’” Eu disse na minha melhor voz de narrador assustador.

O Mike caiu na gargalhada. “Mano, que tipo de psicopata morava aí?”

“Sei lá. Provavelmente desenterrei a história trágica de algum maluco recluso. Talvez tenham trancado ele aí e ele nunca saiu.”

“Melhor parar de ler isso em voz alta à noite. É assim que todos os filmes de terror começam.”

“Por favor. A única coisa me assombrando agora é o preço do drywall.”

A gente riu um bom tempo antes de desligar.

Mas mesmo depois de largar o telefone, me peguei olhando pro espaço de rastejo aberto de novo. O diário ainda tava ali no facho da lanterna, meio aberto, como se esperasse eu ler a próxima página.

Minha casa finalmente tava pronta. Bom, pronta o suficiente pra mim. Precisava aliviar o estresse e achei que não tinha jeito melhor do que uma festinha de aquecimento. Convidei uns amigos só pra comida, bebida e risada.

Enquanto esperava a comida chegar, o Mike teve a “melhor” ideia.

“Vai lá pegar o diário, cara, lê umas historinhas de ninar pra gente!” Ele disse no meio das risadas.

Teve umas caras confusas dos outros amigos, que não sabiam do que ele tava falando.

“É, ele achou num espaço de rastejo antigo. A coisa parece pré-histórica.”

Depois de umas vaias sarcásticas e incitação, decidi agradar a galera.

Pigarriei e virei pra uma página aleatória.

Entrada 47: “Tô aqui há um tempo. Gosto do que eles fizeram com o meu lugar. Finalmente parece casa.”

“Trabalho incrível, continua!” Alguém disse num tom debochado.

Continuei mais adiante.

Entrada 62: Eles finalmente tão indo embora! Fiz minha parte pra garantir que soubessem que era hora de ir. Agora é tudo meu!

“Tá bom, tá bom, mais uma pra noite.” Eu disse.

Virei pro final do diário.

Entrada 89: Ele tá mudando tudo! Essa é MINHA casa. Remendando buracos e arrancando carpete. MERDA. Essas são MINHAS memórias que ele tá pintando por cima. Ele sai bastante. Isso me dá um tempão pra planejar. Ele precisa saber que essa casa é minha.

Isso foi perturbador. Parecia errado. Senti um nó na garganta. Olhei pro Mike justo quando terminei as últimas palavras. Ele tava lá com aquele sorriso bobo.

“Ah ha! Muito engraçado, seu babaca, tentando me assustar!”

Ele devia ter encaixado uma entrada “pessoal” ali quando tava me ajudando a arrumar pra festa. Esse cara nunca levava nada a sério.

A gente meio que riu daquilo e continuou a noite. A comida tava ótima, as bebidas ainda melhores. Meus últimos amigos deram tchau e era hora de eu dormir um sono merecido.

Depois de arrumar um pouco, me joguei na cama. Não demorou pra eu apagar.

Pensei que tava sonhando quando ouvi.

Uma batida.

Não tinha certeza se vinha das paredes. Aí ouvi de novo.

Uma porta.

Sabia que era uma porta. Minha porta? Levantei pra ver o que caralhos tava acontecendo. E aí ouvi de novo.

Não era da minha porta.

O quarto de hóspedes. Vinha do quarto de hóspedes.

Abri a porta do meu quarto e entrei no corredor.

Escancarei a porta do quarto de hóspedes. Fiquei parado tentando ouvir algo. A casa tava quieta. Só dava pra ouvir minha respiração pesada.

Outra batida.

Vinham do armário.

Deixei a porta do espaço de rastejo aberta? Deixei uma janela aberta? Era corrente de ar? Todos pensamentos que passaram pela minha cabeça na meia segundo desde a batida.

Dei mais um passo, o assoalho rangendo sob meus pés. A porta do armário tava entreaberta, e eu via a borda do painel do espaço de rastejo lá dentro. Estiquei a mão pra empurrar a porta inteira, me sentindo meio ridículo enquanto sussurrava “Alô?” pro escuro.

No mesmo instante, a porta explodiu aberta.

Uma figura saiu do armário, uma sombra se jogando em cima de mim com um brilho de aço na mão. Antes que eu pudesse gritar, uma faca cortou o ar, arranhando meu braço e mandando uma onda de dor.

Adrenalina tomou conta. Tropecei pra trás, tentando ganhar distância, mas o atacante caiu em cima de mim num piscar de olhos. Mal registrei a dor enquanto me contorcia e corria pra janela. Meu único pensamento era fugir.

Pulei e me atirei pela janela, caindo com tudo no chão lá fora. Dor subiu pela perna quando aterrissei forte, mas não parei. Mancando o mais rápido que dava, fui pra casa do vizinho, coração batendo mais alto que nunca.

Foi lá que chamei a polícia, ofegante, sangrando e finalmente forçado a admitir que algo muito pior que ratos tava vivendo nas minhas paredes.

No fim, a polícia achou o espaço de rastejo exatamente como eu deixei, exceto pelo diário aberto na última entrada. Nenhum sinal do atacante, nenhuma explicação de como ele tava vivendo ali sem ser notado. Mas eu sabia o que vi. As palavras finais do diário queimaram na minha mente.

“Essa casa sempre vai ser minha.”

Mudei na semana seguinte. O que quer que assombrasse aquela casa, quem quer que tivesse reivindicado como sua, eu não ia ficar pra descobrir o que acontecia depois.

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