quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Não olhe para a Aurora Boreal

A aurora boreal tem dançado sobre esses céus do Kansas nas últimas noites. É de tirar o fôlego, algo que eu nunca imaginei que teria a chance de ver. Não achava que seria uma das últimas coisas que eu veria, porém.

Não recomendo que você olhe, se ela estiver sobre você.

Veja bem, há uma hora eu tava assistindo uma série de drama de terror, fumando um baseado, feliz da vida. Meu labrador preto, o Shadow, começou a arranhar a porta do porão – é o sinal dele de que precisa fazer xixi. Meu baseado já tava no fim mesmo, então apaguei, pausei o streaming e joguei o celular no sofá.

Eu tinha ouvido falar que as Luzes do Norte tavam chegando até nossos céus. Vi fotos dos meus amigos, mas ainda não tinha conseguido ver com meus próprios olhos. Quando saí pro quintal dos fundos, tava quase pitch black. Nada novo, considerando que todos os vizinhos, exceto o que mora colado, têm filhos e vão dormir cedo. Todo mundo tem cerca viva de árvores e mato bem crescido, o que ajuda a bloquear qualquer luz.

O Shadow disparou pro canto do quintal, como sempre faz. O ar tava gelado, então puxei o moletom mais pra perto do corpo, e foi aí que eu vi. As luzes rosas dançando ao longe. Não tavam bem em cima da minha cabeça, mas se eu ficasse num ponto específico, dava pra ver.

No começo, quase chorei. Era lindo. Ondulava e dançava e me fez agradecer por estar vivo, por estar nesse planeta, por poder viver coisas assim. Fiquei olhando pro céu por uma eternidade, até o barulho da grama e um latido me chamarem a atenção. Gritei o nome do cachorro enquanto voltava pra porta dos fundos, pronto pra deslizar ela aberta.

Ouvi os passos do Shadow vindo na minha direção em disparada. Deslizei a porta pra ele, mas tentei espiar pelas folhas da nossa árvore redbud pra dar uma última olhada no fenômeno raro antes de entrar. A coleira dele tilintou bem quando ele passou correndo por mim pra dentro de casa. Mesmo tendo ouvido os passos, ele pareceu surgir do nada, das sombras, direto pra aquele momento de luz. Tava correndo tão rápido que era só um borrão preto enquanto subia as escadas. Meu coração deu um pulo, mas culpei a ansiedade da maconha.

Tranquei a porta, fechei as persianas e voltei pro sofá pra continuar derretendo, mas parei no meio da escada. O Shadow tava parado no meio da sala me encarando. Dei risada de mim mesmo e mandei ele parar de ser creepy. Achando que a gente merecia um agrado, passei por ele e fui pra cozinha. Um picolé pra mim, uma orelha de porco pro Shadow.

Normalmente o barulho do saco já faz ele vir correndo. Eu já tinha guardado tudo e ele ainda não tinha vindo pegar o prêmio. Chamei de novo, depois espiei pra sala. O picolé na minha mão caiu no chão enquanto um grito rasgava minha garganta.

O Shadow parecia o Shadow, mas agora tava se transformando ativamente numa versão esticada e distorcida dele. Ouvi estalos enquanto ele crescia de um jeito impossível, bem rápido, aliás, até o pescoço ficar longo demais pra se sustentar. A cabeça caiu no chão de madeira com um baque. Meu cachorro – ou o que tinha sido meu cachorro – sorriu, depois, com os membros recém-alongados, começou a empurrar o corpo ainda explodindo na minha direção, rápido demais.

Acho que nunca corri tão rápido na vida. A escada pro sótão, onde fica meu quarto, dá sorte de sair da cozinha. Disparei escada acima, direto pro quarto e bati a porta bem na hora que patas grandes demais subiam atrás de mim. Sempre amei que meu quarto tem portas de correr escondidas, mas agora não tô tão fã.

Mal virei o ferrolho minúsculo, a porta começou a tremer no trilho enquanto a versão explodida do meu cachorro batia nela. Me achei um gênio por escolher o quarto em vez do escritório ou do armário, já que esse é o único dos três com janela.

A primeira coisa que fiz foi correr pra janela. Ela abre direto pro telhado da garagem anexa, o que daria uma fuga relativamente fácil. Já tava no meio do caminho, sentindo as telhas ásperas nos pés descalços, quando olhei pra cima e vi meu vizinho do lado, o Hunter, me encarando da janela dele direto pra minha.

Gritei o nome dele, dizendo que precisava de ajuda, mas ele só ficou lá, me olhando. Sorriu rápido, ergueu as mãos por um instante, depois o sorriso sumiu enquanto as mãos desciam devagar. Fez de novo, e de novo, e na terceira vez eu já tava apavorado. Piorou na quarta, quando ele manteve as mãos erguidas e o sorriso colado na cara.

Me encarou, depois mexeu os dedos. Se as luzes do quarto dele não estivessem acesas, seria impossível ler os lábios. Mas tavam, e quando li “Te peguei!”, ele também começou a estalar e se esticar em algo desumano. Corri pro canto do telhado, e bem antes de pular, uma figura sombria no meio da rua se mexeu, raspando o cascalho embaixo dela.

Congelei e fiquei olhando por um instante. Quando não começou a explodir, senti alívio, que sumiu tão rápido quanto veio quando a figura começou a correr na minha direção. Gritei de novo e olhei de volta pro quarto. A porta tava aguentando firme, mas batendo no trilho que nem louca. Mais uma olhada pro Hunter, ainda na janela me espiando, mostrou que ele não lembrava mais nada humano.

Me lembrou daqueles fogos de artifício de cobra que você acende e eles só crescem, crescem até virar cinza e apagar. Toda cor tinha sumido da pele dele, os olhos tavam fundos, e ele só esticava. Pensei “foda-se” e rastejei de volta pro quarto. Foi aí que as batidas na porta pararam e o canto começou.

Estou bem alegre, mas aqui ao contrário, por que não me deixa entrar?

Não tenha medo, serei rápido, deixo você viver, prometo que só quero sua pele!

Por que não me deixa entrar?

Demorei quase um minuto inteiro procurando meu celular até lembrar que deixei no sofá. Ainda bem que meu notebook tem um restinho de bateria. O problema é que nenhuma mensagem sai. Não consigo mandar chat, e-mail, nada. Acabaram as opções, então vou tentar postar isso como último recurso.

Não sei o que fazer. Alguém mais passou por essa merda? Que porra eu faço? Essa coisa que tomou meu cachorro não para de cantar a mesma coisa sem parar, embora a letra tenha mudado nos últimos segundos.

Por que não me deixa entrar? Me deixa entrar? Me deixa entrar?

Me deixa entrar! Me deixa entrar!

ME DEIXA ENTRAR!

ME DEIXA ENTRAR.

A maconha que fumei tava no fim do estoque e nunca tive uma experiência assim nas outras vezes, então dá pra descartar. Se eu não sobreviver à noite, e descobrirem que me encontraram encolhido, um cocô cinzento, por favor, levem a sério esse aviso.

O que quer que esteja deixando esses céus do meio-oeste rosa e vermelho não é a Aurora Boreal. Acho que é algo maligno. Se você der uma espiada, talvez queira deixar eles entrarem. Porque agora, esse é o único pensamento na minha cabeça.

Isso, e uma musiquinha que tá ficando insistente o suficiente pra eu começar a cantarolar.

Ao contrário, estou aqui e bem alegre, acho que vou deixar eles entrarem!

Não vou ter medo, serão rápidos, deixam eu viver, só querem minha pele!

Acho que vou deixar eles entrarem!

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Escritor do gênero do Terror e Poeta, Autista de Suporte 2 e apaixonado por Pokémon