sábado, 24 de agosto de 2024

O Monitor do Bebê

Ser um novo pai foi mais difícil do que eu esperava. As noites sem dormir, a preocupação constante e a pura responsabilidade pesavam sobre mim de uma forma que nunca imaginei. Mas por mais cansada que estivesse, não resisti a verificar a babá eletrônica a cada poucos minutos, só para ter certeza de que estava tudo bem com nossa pequena Emily. Tornou-se um hábito, quase uma obsessão, ter aquele monitor à mão, sempre atento a qualquer sinal de angústia.

Uma noite, depois de mais um dia exaustivo, cochilei no sofá com a babá eletrônica ao meu lado. A casa estava estranhamente silenciosa, exceto pelo rangido ocasional das velhas tábuas do piso. No meu estado meio adormecido, ouvi uma voz suave, quase calmante, vindo do monitor. A princípio pensei que estava sonhando, mas à medida que a voz continuava, percebi, com crescente pavor, que isso era real. A voz não era minha e definitivamente não era da minha esposa. Era baixo e rouco, mas de alguma forma calmo, como alguém que sussurrava há séculos. “Não se preocupe, estou observando ela”, disse a voz.

Meu coração disparou quando me levantei do sofá. A voz era tão clara, como se alguém estivesse na sala com minha filha. Corri escada acima, meu pulso batendo forte em meus ouvidos. Abri a porta do berçário dela, esperando o pior. Mas quando cheguei lá, Emily estava dormindo profundamente em seu berço, seu pequeno peito subindo e descendo pacificamente. Não havia mais ninguém na sala, nenhum sinal de algo fora do comum. A babá eletrônica estava em silêncio, nenhum vestígio da voz que me arrepiou até os ossos.

Na noite seguinte, não consegui dormir nada. Fiquei sentado no berçário, olhando para o monitor, esperando que algo acontecesse. As horas se passaram e nada aconteceu. Justamente quando eu estava começando a pensar que tinha imaginado tudo, a voz voltou, desta vez mais insistente. “Ela é minha agora”, sussurrou. O monitor de repente ficou mudo, a tela ficou preta. Eu pulei de pé, minha mente correndo de terror. Corri para o berço, mas quando olhei para dentro, meu coração parou: Emily havia sumido.

A polícia foi chamada e uma busca frenética começou, mas nunca a encontraram. Eles não sabiam explicar como ela havia desaparecido sem deixar rastros, com todas as portas e janelas trancadas. A única evidência deixada foi a babá eletrônica, agora silenciosa e fria. Mas todas as noites ainda ouço aquela voz me provocando, me lembrando do que perdi. “Ela é minha agora”, diz repetidamente, até que sou levado à beira da loucura.

Não consigo me livrar do monitor. É a única conexão que me resta com Emily, mesmo que seja assombrada pelo que quer que a tenha levado. Algumas noites, fico acordado, esperando, sem esperança, ouvi-la chorar, que de alguma forma ela volte. Mas tudo que ouço é aquela voz, e ela está lentamente me deixando louco. Não sei quanto tempo mais posso aguentar isso. Só quero minha filha de volta, mas no fundo sei que ela se foi e não há nada que eu possa fazer para trazê-la de volta.

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Cheguei à casa da minha infância, algo estava errado

Meu pai havia morrido. Não me lembro da última vez que falei com ele. Quando eu era mais jovem, tínhamos um relacionamento saudável. Não sei por que minha mãe cortou relações com ele. Mas ela fez. E desde que ela fez isso eu só falei com meu pai por telefone. A razão é que minha mãe se mudou para o condado e me levou com ela. 

Quando ouvi a notícia, ele morreu. Eu não chorei. Eu não senti nada. Eu simplesmente aceitei o que era. A casa dele, a casa da minha infância, foi-me dada em seu testamento. Minha mãe não estava aqui para me dizer o que fazer. Eu iria voar de volta para a Irlanda e visitá-la.

Eu não me lembrava muito bem das estradas sinuosas do interior. Lembro-me da vegetação. É isso. Eu tinha o endereço, demorei mas encontrei.

Minha casa.

A casa estava bastante isolada. Enormes portões protegendo a propriedade. Digitei o código dos portões que também me foi dado. Eu dirigi até lá. Era um longo caminho. À esquerda havia uma fonte, lembrei-me de brincar nela. E à direita havia um grande galpão. Onde meu pai guardava seus carros. A grama e as sebes não eram cortadas há algum tempo. 

Aproximei-me da casa e estacionei meu carro no cascalho áspero. Era muito maior do que eu lembrava da última vez. Meu pai era operário da construção civil. Presumi que ele tivesse feito ampliações na casa. Muitas extensões. Fui até a porta. Usando a chave que me foi dada, destranquei a porta. 

A casa parecia completamente diferente. Eu vaguei um pouco. Olhando os móveis e as fotos. Notei muitas moscas mortas. Como se estivessem presos. A casa era tão grande que eu devia estar andando por ali há uma ou duas horas. Notei que não havia relógios. Sentei-me na cozinha de mármore. Olhando pela janela na minha frente. Com vista para o grande jardim que circundava a frente da casa. A cozinha e a sala estavam interligadas. Bem, havia cerca de 3 salas de estar. Mas do outro lado da casa. Só então notei que na sala ligada à cozinha havia portas duplas com vitrais que davam para um longo corredor. Principalmente quartos naquele corredor. 4 quartos no andar de baixo, dois no andar de cima. Por que havia tantos, pensei comigo mesmo. Chegando ao último cômodo havia um depósito. Um monte de lixo dentro dele. Olhei pela janela e de alguma forma vi exatamente a mesma vista que tinha da cozinha. Eu congelei em confusão. Eu não estava nem perto da cozinha.

Dei uma volta lá fora. Tentando entender como o que vi fazia sentido. Não aconteceu. Subi uma pequena colina de costas. Uma grande árvore no topo da referida colina. Olhei para a casa. Estava completamente irreconhecível, não dava para ver o topo da casa do morro. Era muito grande. 

Continuei andando pela casa ainda tentando descobrir o que vi. Me deparei com uma janela muito suja. Do lado direito da casa. Em frente ao morro e à sala e cozinha conectadas. Olhei pela janela e vi uma cama, a janela estava suja demais para ver qualquer outra coisa. E a essa altura eu já devia estar em todos os quartos e nenhum deles tinha uma janela tão suja. Voltei para dentro tentando localizar o quarto com a janela suja. Eu não consegui encontrar. Olhou de cima para baixo. Isso estava me deixando louco. Ainda nem coloquei minhas coisas em casa. Sempre me frustrei facilmente. E sempre determinado também. Eu queria saber o que diabos estava acontecendo. Isso estava me confundindo. Depois de vasculhar a casa várias vezes, olhei para a janela suja. Peguei um tijolo próximo que estava encostado no galpão e joguei na janela. A janela quebrou. Era um quarto muito escuro. E a essa altura o céu também estava escurecendo. Espiei minha cabeça para dentro. Ainda não consegui ver nada. Eu disse para mim mesmo: foda-se e entrei. Atravessei a sala e acendi as luzes.

Eu estava nos quartos do andar de cima. 

Eu olhei em volta. Eu estava com medo por algum motivo. A janela ainda estava quebrada e eu olhei para fora dela. Eu estava de fato no segundo andar. Desci correndo os degraus de madeira da casa até onde quebrei a janela. Não havia janela agora. Corri para onde normalmente deveria estar a janela do quarto e ela não estava quebrada.

Eu pensei que estava louco e tentei ignorar. Passei uma semana morando lá e nem tudo foi tão ruim. Havia uma pequena cidade próxima onde eu fazia minhas compras. Era bom o suficiente. Sentei-me na cozinha. Colocar comida na geladeira. Então ouvi um relógio. Eu pensei que não havia nenhum, mas tudo bem. Mas eu ouvia o tique-taque do relógio, não importa onde eu estivesse na casa. Eu sabia que esta casa não fazia sentido e procurar esse relógio me deixaria louco, mas estava me irritando. Destruí todos os cômodos e nenhum relógio foi encontrado. 

O relógio estava sempre correndo. Devorando minha mente, havia dias em que eu não saía de casa procurando desesperadamente por isso. Logo ouvi o zumbido da geladeira extremamente alto também. Joguei a geladeira fora. Isso pareceu funcionar. Sabendo que os ruídos podem ser interrompidos, continuei a busca pelo relógio. Eu estava me acostumando com isso. 

Passei mais uma semana morando na casa normalmente. Às vezes, algum outro objeto fazia barulhos altos, competindo com o relógio. Eu encontrava os objetos que faziam barulho e os jogava fora. 

Um dia me perdi em minha casa aleatoriamente. Qualquer sala em que entrei era errada. Qualquer janela pela qual eu olhasse era uma janela de cima, eu não iria pular. Para acabar com esse problema de não saber a que sala levava, decidi remover todas as portas, exceto a que dava para fora. Os quartos não mudaram mais. Que alívio. A casa estava muito mais fria agora, mas estava tudo bem. Eu gostei desta casa. 

Um dia eu estava olhando pela janela da minha cozinha. Não estava mais confuso. Nada sobre isso era confuso. Só levei um tempo para me acostumar com uma casa nova. Pensei em ir embora quando cheguei, mas agora estou em casa. Fui dormir à noite. Adormeci pensando por que minha mãe saiu daqui? Só então eu acordei. O tique-taque desapareceu? Por que desapareceu? O que aconteceu? Eu olhei em volta. Eu nem estava dormindo na cama, estava dormindo no chão. Olhei ao redor da sala em que estava. Tudo havia desaparecido. Eu me levanto, meu coração afundou enquanto andava pela minha casa. Não havia janelas, nem móveis, nem portas. A única luz que eu tinha eram as lâmpadas amarelas brilhantes. Eu não conseguia nem desligá-los. Corri para a porta da frente e não havia nada lá. A casa estava completamente vazia. Não havia luz solar e meus olhos começaram a doer. A única coisa que restou na casa foi a foto de uma árvore no alto de uma colina. A única prova que tive de que o mundo exterior existiu em algum momento. Sentei-me no canto de uma sala e chorei. Eu era como uma mosca. Preso em uma teia.

Estou escrevendo isso porque preciso desesperadamente de ajuda. Meu telefone pode morrer a qualquer momento e eu me sinto enlouquecendo. Eu não sei onde estou. Mas esta não é a minha casa. Pelo amor de Deus me ajude.

A floresta que esperou

Quando eu era criança, minha família mudou-se para uma pequena cidade situada à beira de uma vasta floresta selvagem. Era o tipo de lugar onde as árvores eram tão densas e a copa tão densa que a luz do sol mal tocava o chão. Meus pais me alertaram para não me afastar muito, mas, como todas as crianças fazem, desobedeci.

Num dia de verão, aventurei-me mais profundamente na floresta do que nunca. Fui atraído por um som estranho, um farfalhar suave que parecia ecoar pelas árvores. Segui-o, serpenteando entre os troncos grossos e as raízes crescidas, até que me encontrei numa pequena clareira. Ali, no centro, havia um enorme carvalho, com a casca escura e retorcida. Havia algo nisso que me perturbou, mas não consegui desviar o olhar.

Enquanto olhava, notei algo se movendo entre as raízes – uma figura sombria, quase imperceptível, movendo-se e contorcendo-se como uma sombra viva. Meu coração batia forte no peito quando percebi que ele estava me observando. Eu queria correr, mas minhas pernas estavam presas no chão. O ar parecia pesado, denso com o cheiro de terra e decomposição.

A figura não se aproximou, mas pude sentir seu olhar frio e penetrante. Sem uma palavra, parecia ordenar-me que saísse. E eu fiz. Corri o mais rápido que minhas pernas puderam, de volta à segurança da minha casa, sem olhar para trás nem uma vez.

Os anos se passaram e eu cresci, deixando para trás a pequena cidade e sua estranha floresta. Mas a lembrança daquele dia me assombrou. Eu não conseguia afastar a sensação de que algo estava esperando por mim naquela clareira, algo antigo e malévolo.

Já adulto, voltei para a cidade, movido pela necessidade de enfrentar os meus medos de infância. A cidade havia mudado, mas a floresta permanecia a mesma: escura, agourenta e intocada pelo tempo. Com uma mistura de pavor e determinação, aventurei-me mais uma vez na floresta.

A floresta pareceu me dar as boas-vindas de volta, as árvores se aproximando de mim enquanto eu caminhava até a clareira. O enorme carvalho ainda estava lá, com a casca tão retorcida e escura quanto eu me lembrava. E ali, entre as raízes, estava a figura.

Desta vez, não corri. Aproximei-me da árvore, meu coração martelando no peito. A figura sombria não se mexeu, mas pude sentir sua presença, pesada e opressiva. Era como se a própria floresta estivesse viva, respirando ao meu redor, me observando.

Estendi a mão para tocar a árvore, mas antes que meus dedos pudessem fazer contato, a figura mudou. Levantou-se do chão, sua forma se solidificou em algo que lembrava um humano, mas não era. Seus olhos - se é que podiam ser chamados assim - brilhavam com uma luz fria e misteriosa.

A criatura inclinou a cabeça, me estudando. Percebi então que não era apenas um guardião da floresta; era a floresta, ou pelo menos parte dela. Uma personificação viva da floresta antiga, ligada à terra muito antes de minha cidade existir.

Por um momento, simplesmente ficamos ali, olhando um para o outro. Não houve hostilidade, apenas compreensão. A floresta esperou por mim e agora que voltei, ela me deixaria ir. Mas eu sabia que se algum dia voltasse, não seria tão indulgente.

Recuei lentamente e, ao fazê-lo, a figura afundou de volta nas raízes, tornando-se uma vez mais uma com a terra. O ar ficou mais leve e o sentimento opressivo desapareceu. Virei-me e saí da clareira, a floresta se abrindo para mim enquanto eu saía.

Nunca voltei àquela cidade ou à sua floresta. Mas às vezes, tarde da noite, sonho com aquele carvalho escuro e retorcido e com a figura que me esperava entre as suas raízes. E sei que, em algum lugar lá fora, a floresta ainda espera.

O último trem para casa

Nunca gostei de transporte público, mas naquela noite em particular não tive escolha. Meu carro estava na oficina, e a única maneira de chegar em casa era o trem noturno que passava pela cidade como um animal velho e cansado. A estação estava quase vazia, exceto por alguns retardatários — trabalhadores noturnos, bêbados e um homem de casaco comprido que estava parado demais para ser qualquer coisa que não fosse perturbador.

Tentei não olhar para ele enquanto comprava minha passagem. A máquina estalou e cuspiu como se estivesse cuspindo uma maldição. O bilhete parecia mais pesado do que deveria na minha mão, a tinta levemente manchada, como se tivesse sido impressa às pressas.

Entrei no trem e encontrei um vagão vazio. As luzes fluorescentes tremeluziam, lançando sombras estranhas e fugazes que faziam os assentos vazios parecerem ocupados. Sentei-me perto da janela, olhando para a escuridão, tentando ignorar o desconforto crescente que corroía minhas entranhas.

As portas se fecharam com um silvo suave e o trem avançou. A estação desapareceu, substituída pelo borrão do ponto fraco da cidade – um lugar de ruas esquecidas, edifícios decadentes e sombras que pareciam se estender e mudar como se tivessem vida própria.

O vagão estava silencioso, exceto pelo zumbido baixo do trem e pelo rangido ocasional do metal. Eu estava sozinho, ou pelo menos pensei que estava. Devo ter cochilado porque a próxima coisa que percebi foi que o trem havia parado. Olhei ao redor, confuso. Ainda não tínhamos chegado à minha parada. A placa do lado de fora dizia “Morton Ave.”, uma estação da qual eu nunca tinha ouvido falar antes.

O trem não deveria ter parado aqui. O mapa na parede nem sequer indicava isso como parada. Mas as portas se abriram de qualquer maneira, e uma brisa fria entrou, trazendo consigo o cheiro de terra úmida e algo mais... algo podre.

Foi então que os vi – figuras à distância, envoltas em escuridão. Eles avançaram em direção ao trem, com passos lentos e deliberados. Havia algo errado com eles, algo profundamente perturbador. Minha pele se arrepiou quando percebi que eles não estavam andando; eles estavam flutuando, seus pés mal tocando o chão.

As luzes piscaram novamente e pude ver seus rostos — pálidos, magros, olhos fundos nas órbitas. Eles não pertenciam a este mundo. Eles eram fantasmas, ou algo pior. E eles estavam se aproximando.

O pânico tomou conta de mim. Apertei o botão para fechar as portas, mas ele não respondeu. As figuras estavam quase na plataforma agora, com os olhos vazios fixos em mim. Apertei o botão de novo e de novo, até que finalmente as portas começaram a fechar. Mas já era tarde demais. Um deles alcançou a borda da plataforma e, com uma velocidade repentina e desumana, avançou com a mão estendida.

As portas se fecharam no momento em que seus dedos roçaram o vidro. Tropecei para trás, meu coração disparado. O trem avançou, deixando a estação para trás. Observei enquanto as figuras desapareciam na escuridão, mas o medo não me abandonou. Agarrou-se a mim como uma segunda pele.

Queria descer na próxima parada, mas algo me disse que não era uma boa ideia. Algo me disse que a Avenida Morton não era uma estação destinada aos vivos. Fiquei sentado, tentando me livrar do terror, tentando me convencer de que tudo não passava de um pesadelo.

Mas então as luzes começaram a piscar novamente e o ar ficou mais frio. O zumbido do trem ficou mais alto, mais distorcido, como se estivesse lutando contra alguma coisa. Olhei para o mapa na parede e meu sangue gelou.

O trem não estava seguindo sua rota habitual. Os nomes familiares das estações desapareceram, substituídos por nomes estranhos e desconhecidos - "Ashwood", "Black Hollow", "Widow’s Peak". Lugares que não existiam, ou pelo menos não no meu mundo.

Eu estava em um trem para lugar nenhum, um trem que lentamente escapava da realidade. Eu podia sentir isso, a rarefação do ar, a forma como as sombras pareciam ficar mais longas, mais escuras. O trem estava me levando para algum lugar que eu não deveria ir, para algum lugar de onde nunca mais voltaria.

A última parada estava se aproximando. Eu podia ver no mapa – “Terminus”. A palavra causou um arrepio na minha espinha. Eu sabia, no fundo, que se permanecesse no trem até então, estaria perdido para sempre.

Mas quando me levantei para me mover, o trem balançou violentamente, desequilibrando-me. As luzes se apagaram, mergulhando o carro na escuridão. Eu podia ouvir algo se movendo nas sombras, algo que não era humano.

Corri, tropeçando na escuridão, tentando alcançar a porta no final do carro. Mas a porta não se mexia. Eu estava preso. O som de algo raspando no chão ficou mais alto, mais próximo. Virei-me, pressionando-me contra a porta, e na luz fraca dos túneis que passavam, eu o vi – uma figura, não, uma massa de sombras, contorcendo-se e contorcendo-se enquanto deslizava em minha direção.

Sua face, se é que se pode chamar assim, era um vazio, um buraco negro que parecia sugar toda a luz, toda a esperança. Ele estendeu a mão para mim, seus dedos se alongando em apêndices afiados em forma de garras. Eu podia sentir o frio que emanava dele, o aperto gelado da morte.

Eu gritei, mas nenhum som saiu. Minha garganta estava apertada, minha respiração superficial. A criatura sombria estava quase em cima de mim quando, de repente, o trem parou bruscamente.

As portas atrás de mim se abriram e caí para trás em uma plataforma. A criatura sibilou, recuando diante da luz que vinha de cima. Fiquei de pé e corri, sem olhar para trás, sem parar até sair da estação e voltar às ruas mal iluminadas da cidade.

Não sei quanto tempo corri ou como encontrei o caminho de casa. Mas quando finalmente consegui, desabei na cama, tremendo, sem conseguir dormir, sem conseguir esquecer.

Nunca mais peguei trem. Eu não consegui. Porque toda vez que fechava os olhos eu via aquele mapa, aqueles nomes de estações que não pertenciam a este mundo. E cada vez que ouvia o som distante do apito de um trem, sentia um arrepio percorrer minha espinha.

Não sei para onde aquele trem estava me levando, mas uma coisa eu sei: há lugares neste mundo, lugares à margem da realidade, onde os vivos não têm nada a ver. E uma vez que você cruze essa linha, uma vez que você entre nessa escuridão, não há como voltar atrás.
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