sábado, 10 de maio de 2025

Ungido

Não há nada tão íntimo quanto uma igreja em uma manhã de domingo no sul profundo dos Estados Unidos. Nasci e fui criado ali — pregar estava praticamente na minha alma. Foi por isso que me tornei pastor. Falar para as multidões enquanto elas seguram sua mão e choram por pecados que ainda não cometeram com você... Meu Deus, eu era um viciado, e todo domingo eu recaía naquela doce sensação.

Minha congregação era pequena, mas isso era ainda melhor para um jovem como eu. Eu conhecia cada rosto que vinha à mesa de Deus: desde a dona Maria, que fazia bolos todo domingo, até o seu Jaime, que, apesar de seus setenta anos, ainda desempenhava o papel de coroinha como fazia aos seis anos. Éramos uma família. Até que aquela serpente entrou no meu jardim.

Ele não falava muito no começo. Apenas sentava na primeira fileira, bem no centro, e me observava como um lobo no topo de uma colina. Acredito que, na primeira vez que o vi, quis apertar sua mão após o sermão, mas ele escapuliu durante o último hino. Era um sujeito de aparência estranha. Não era feio, de forma alguma, mas... peculiar. Vestia um terno de lã preto com uma gravata azul-escura. Parecia caro e pesado. Era o auge de julho.

O sol castigava como uma freira com uma régua, mas, juro por Deus, aquele homem nunca suava. Seu rosto estava sempre seco como o cimento do estacionamento. Era pálido também. Ficava claro, desde o início, que ele tratava o corpo como um altar. Mas foi o cheiro que fez meu sangue gelar.

Podridão.

Da cabeça aos pés, ele exalava um odor de carne deixada ao sol por semanas. Não era um cheiro que saía com um banho. Era do tipo que se infiltrava sob a pele — eu podia senti-lo tentando me invadir quanto mais me aproximava. Minha avó dizia que esse era o cheiro de uma alma impura. Quase engasguei. Abortei minha missão de conversar com o recém-chegado e me excusei, indo para o banheiro. Quando voltei, observei de longe. Mas algo estava errado.

Ele conversava em pequenos diálogos enquanto apertava as mãos dos outros fiéis, embora eu não conseguisse distinguir suas palavras exatas. Eles sorriam tão abertamente para ele. Não eram os sorrisos pacíficos e cheios de amor por Deus que eu conhecia, mas o tipo de sorriso que não é seu. O tipo que aparece quando alguém força sua boca para cima. Vê-lo falar era como flagrar minha congregação em um ato de adultério. Então, antes que eu fizesse algo movido por inveja, fui para meu escritório.

Eu sabia que estava sendo estúpido. Um pastor com medo de um servo de Deus? Era ridículo, mas, conforme o tempo passava lentamente pela minha igreja, como mel escorrendo, comecei a ressentir dele. O ódio crescia em mim, e toda vez que seus olhos azuis penetrantes caíam sobre meu sermão, minha alma parecia se enlamear a cada semana. Meu rebanho fiel de ovelhas prestava mais atenção às colinas do que ao pastor. Em meados de agosto, aquela maldita fruta começou a aparecer. Tigelas de frutas surgiam por toda a igreja: na cozinha, no altar, até no meu escritório — onde só eu tinha a chave. Tão maduras e tão... perfeitas. Sentia uma raiva fervente toda vez que via aquelas maçãs.

Os silêncios serenos entre as palavras do Senhor eram quebrados pelo som de maçãs sendo mordidas ou pelo mastigar suave de mirtilos. Não deveria me incomodar tanto — nada disso — mas eu não conseguia evitar associar tudo àquele homem.

O homem que parecia atrair as pessoas como uma fruta podre em um ninho de moscas. Os sorrisos deles. Minhas ovelhas. Minha congregação era composta, em sua maioria, por idosos, e ver aquelas bocas desdentadas, podres ou com dentaduras brilhando para aquele homem... Não consegui dormir por muito, muito tempo.

Ele era como uma garrafa; algo que eu havia abandonado anos atrás. Ficava intoxicado perto dele, mas, quando me afastava após o cheiro, sentia-me doente e deprimido. Orei para que ele fosse embora, e, em um dezembro, ele foi. Mas não sem seu preço.

Era uma manhã fria de quarta-feira, no auge do inverno. Entrei na igreja cedo para ensaiar a “noite à luz de velas” que se aproximava. Não havia me sentado por cinco minutos quando ouvi algo vindo da capela. A casa de Deus sempre fora meu refúgio seguro. Naquela manhã, parecia tão segura quanto Babel ao meio-dia. O medo correu pelo meu corpo. Segui o som até a capela. Lá dentro, congelei. Lá estava o homem. E minha congregação.

Todos choravam. Lágrimas escorriam por seus rostos enrugados como melaço em um copo. Dona Maria estava ajoelhada diante do altar. Seus olhos estavam vidrados, e um sorriso estava esculpido em seu rosto, de orelha a orelha.

Do meu púlpito, o homem gritava para o rebanho. As palavras que ele bradava eram melífluas e elevadas, mas incoerentes. Não era exatamente latim, mas também não era nada reconhecível. Senti uma enxaqueca latejante enquanto tentava decifrar as palavras. Apenas uma frase cortou o sermão de incoerência:

“Deus ungiu Caim com uma lâmpada de óleo.” Foi então que o cheiro me atingiu.

Por trás do odor de podridão do homem, havia algo ainda mais forte. Cheirava a gasolina. Meu rosto desmoronou em horror quando vi seu Jaime descer o corredor, como fazia todo domingo. Ele normalmente usava uma bengala, mas naquela manhã ela não estava à vista. A cada segundo passo, havia um mancar que me fazia prender a respiração, temendo que ele derrubasse a vela. Cera quente pingava da vela em suas mãos nuas. Ele não demonstrava o menor sinal de dor. Exibia um sorriso desdentado enquanto tropeçava em direção ao púlpito — parecia uma criança na manhã de Natal.

Manchas novas giravam no carpete, nas roupas que a congregação usava, mas todos sorriam abertamente enquanto observavam Jaime caminhar em direção a eles, com a vela na mão.

Meu Deus, eu tentei. Implorei à minha congregação, pelo amor de suas vidas. Tentei movê-los, puxá-los para longe, mas foi inútil. Nada detinha o avanço lento da vela. Jaime, de repente, tinha uma força incrível; um velho frágil, mas parecia que eu estava batendo em um jogador de futebol americano.

A cabeça de dona Maria estava inclinada para trás. Pensei na vez em que a batizei. Ela tinha a mesma expressão no rosto quando uma gota de cera pingou da mão de Jaime em sua testa. Corri naquele momento. Antes de ver a chama ardente tocar a cabeça da minha Maria, virei as costas para meu rebanho. Não tive coragem de olhar para trás. Queria dizer que me arrependo de ter fugido, mas temi como Ló temeu.

Em Gênesis 19:17, Deus diz: “Escapa, salva tua vida; não olhes para trás, nem pares em toda a planície; escapa para o monte, para que não pereças.” Não ousei. Um pastor deve cuidar de seu rebanho. Eu tentei. Nada mudou. Não pude fazer nada enquanto um lobo carregava minhas ovelhas em sua boca.

Naquele mesmo dia, começaram a retirar corpos dos escombros, o sol forte do sul cozinhando os corpos tão gravemente quanto o fogo. Até hoje, não consigo tirar o cheiro das minhas narinas. Vasculhei as manchetes por semanas, mas ele desapareceu sem deixar rastros. Li enquanto todos os rostos que conhecia tão bem quanto o meu próprio eram identificados. Aquele homem nunca esteve entre eles.

Mudei-me para o norte. Fiz o possível para esquecer. Mas, há dois dias, encontrei uma maçã podre na minha velha mochila. Meu Deus, o fedor. Era tão familiar quanto um amante perdido. Esse caso me trouxe lágrimas aos olhos ao ver a fruta. O cheiro era aquele podre horrível que eu odiara por décadas. Sob ele, havia o sutil, mas profundamente impregnado, cheiro de gasolina. Orei naquela noite pela primeira vez em anos. Pois sei que ele virá pelo pastor em seguida.

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