Por que o trânsito da minha cidade é tão ruim? Considerando o grande número de passageiros, como a cidade não destinou mais verbas para isso? Os atrasos são absurdos às vezes. Veja como foi meu trajeto para o trabalho hoje de manhã:
Acordo, me arrumo para o dia e sigo para o ponto de ônibus.
Fico esperando, observando as pessoas para passar o tempo, já que esqueci de carregar meus fones de ouvido.
O horário previsto de chegada vem e vai. O Google Maps diz que o ônibus passou. Eu digo que isso é uma baita mentira.
Espero vinte minutos, depois trinta, depois quarenta. Normalmente, a essa altura, eu já teria ido para outro ponto ou verificado se algum amigo que vai na mesma direção do meu trabalho poderia me dar uma carona, mas algo me mantém grudado no lugar.
Talvez eu tenha medo de sair bem na hora que o ônibus chegar. Talvez, no fundo, eu saiba que ninguém que conheço trabalha no mesmo bairro que eu e poderia me levar. Talvez uma parte de mim espere uma desculpa para faltar ao trabalho. Seja como for, não me mexo. Meus olhos começam a pesar; dormi muito mal ontem à noite.
Pisco.
Algo mudou. Os prédios parecem diferentes, não de forma drástica, mas o suficiente para perceber que foram consertados, reformados, até substituídos. A construção de uma nova casa começou numa rua próxima, e o estilo arquitetônico é algo que nunca vi antes.
As pessoas são as mesmas: a moda delas é familiar, mas está ligeiramente fora de lugar. Estilos e combinações de cores que nunca vi, tecidos que não reconheço. Recebo alguns olhares estranhos por causa da minha roupa, uma risadinha de um adolescente que passa por mim.
Olho para o celular. A data está dez anos no futuro, mas a bateria ainda está cheia. Ligo a câmera. Meu corpo viajou dez anos para o futuro, mas não envelheceu. O ônibus ainda não chegou. Não posso arriscar perdê-lo. Pisco.
Mais mudanças. Ao longe, vejo estruturas imensas, que parecem esboços desenhados por um arquiteto que ignorou tudo o que sabia sobre construção e física. A área próxima, porém, não é tão fantástica. Quase todos os prédios que vi antes ainda estão aqui, mas desgastados, dilapidando-se. Alguns desmoronaram completamente, pedaços de suas estruturas esqueléticas servindo como lápides.
As pessoas, de alguma forma, mudaram ainda mais drasticamente. Os diferentes pesos e graus de exaustão que todos exibimos foram substituídos por uma aparência uniforme de fome e vazio. As roupas são, em sua maioria, trapos, marcadas com símbolos que nunca vi antes, mas que, de algum modo, sei que devo desviar o olhar rapidamente. Elas me olham primeiro com confusão, depois com um grau desconfortável de admiração e medo.
Sou abordado por alguém com uma dessas marcas queimada na pele e o fervor de um pregador nos olhos, falando uma língua que mal consigo entender. Algumas palavras soam familiares: “antigo”, “revelação”, “visitação”, “mandamento”, “esperança”. Enquanto gesticulam em direção às torres distantes, o rosto deles se contorce numa careta de raiva, mas tingida de resignação e desespero. Eles seguram meus ombros e dizem uma palavra que conheço, lentamente, como se recitassem algo que memorizaram há muito tempo: “lembre”.
Olho para o celular. A data está mais de duzentos anos no futuro, mas a bateria ainda está cheia. Ligo a câmera. Meu corpo viajou mais de duzentos anos para o futuro, mas não envelheceu. O ônibus ainda não chegou. Não posso arriscar perdê-lo.
Pisco.
A decadência se intensificou. A maioria das estruturas se juntou às que já caíram, enquanto as que permanecem são pouco mais que ruínas. Não há luzes, exceto a das estrelas. As torres distantes cresceram, contorcendo-se em formas dolorosas que lembram os símbolos que vi antes. Algumas parecem se mover pelo canto do olho quando desvio o olhar, mas voltam ao normal quando olho novamente. A lua parece ter raios, e, de alguma forma, sei que são os mesmos crescimentos no horizonte.
Não há pessoas. Não há gritos de horror ou medo ecoando pela rua, nem choros na noite, nem corpos nas ruas: apenas um silêncio terrível. Poeira se acumulou em todas as superfícies, sem nada a perturbando, exceto um ocasional pedaço de entulho levado pelo vento. Sombras passam por mim sem uma origem visível, sem um padrão identificável em suas formas; vejo uma que parece um círculo com padrões sinuosos de tons mais escuros, outra como um grande felino com cabeças humanoides cujas bocas estão abertas em um rugido silencioso, e uma que simplesmente parece uma criança pequena, curvada. Se são capazes de me perceber, não me dão atenção.
Olho para o celular. A data está mais de mil anos no futuro, mas a bateria ainda está cheia. Ligo a câmera. Meu corpo viajou mais de mil anos para o futuro, mas não envelheceu. O ônibus ainda não chegou. Não posso arriscar perdê-lo.
Pisco.
Não sobrou nada. Terra queimada me cerca, a estrada há muito erodida em terra e areia. As estruturas dos prédios sofreram um destino semelhante, restando apenas minhas memórias. As torres ainda se erguem ao longe, mas parecem de algum modo diminuídas: suas formas não me causam tanta dor, e não se movem mais quando não observadas, como se a inteligência que as animava tivesse partido em busca de brinquedos mais interessantes. Olho para cima.
O sol está grande, maior do que já vi, e parece que deveria estar queimando minha pele. Desvio o olhar. A lua está morta. Não há outra forma de descrevê-la. As sombras sumiram. Talvez haja níveis ainda mais profundos, onde sombras dessas sombras permaneçam em lugares que não posso ver. De qualquer forma, estou sozinho, numa paisagem queimada e rachada que se estende para sempre.
Olho para o celular e vejo que, de alguma forma, ele exibe uma data bilhões de anos no futuro, quando ouço o familiar som pneumático. Quando me viro para a fonte, o ônibus está lá, seu exterior brilhante e intacto, incongruente nesse cenário infernal. As portas estão abertas, mas não vejo motorista ou outros passageiros. Hesito. E se isso for uma ilusão, uma armadilha para interromper minha longa jornada pelo tempo? Mesmo que não seja, depois de tudo o que vi, posso realmente voltar a um mundo cheio de vida, quando sei qual será nosso destino final; nossas vidas gastas e nosso planeta arruinado como uma distração para algo além da nossa compreensão? Posso fingir que me importo com os eventos do presente, quando o futuro os torna todos insignificantes?
As portas começam a se fechar. Tomo minha decisão.
Enfim, tudo isso geralmente significa que chego pelo menos 10-15 minutos atrasado ao trabalho todos os dias. Meu chefe está pegando no meu pé, mas não ganho o suficiente para comprar um carro. Sem mencionar que o serviço reduzido nos fins de semana às vezes me faz esperar o dobro do tempo, o que é uma idiotice, nem todo mundo tem folga aos fins de semana. Há alguém na prefeitura de Winnipeg com quem eu possa falar sobre isso, ou uma petição ou algo assim? Isso é completamente ridículo.
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