Pensei que fosse um golpe, mas cliquei mesmo assim. Estava dois meses atrasado no aluguel e cansado de correr atrás de aplicativos de entrega e turnos noturnos em um posto de gasolina. Dois dias depois, eu estava em uma sala sem janelas nos fundos de um galpão na periferia da cidade, lendo um acordo de confidencialidade que parecia ter sido escrito com sangue.
“Você não compartilhará nenhum detalhe sobre o trabalho, equipamentos ou sujeitos. Qualquer violação será recebida com consequências legais e… apropriadas.”
Assinei. Não deveria ter assinado.
A sala onde eu trabalhava tinha duas cadeiras, dois monitores e uma máquina — uma coisa em forma de domo, do tamanho de uma melancia, coberta de fios metálicos e nós. A etiqueta dizia: UNIDADE DE SINCRONIZAÇÃO NEURAL MIMIR. Eles disseram que ela podia “se conectar com a atividade de ondas REM” para permitir que observássemos e catalogássemos visuais de sonhos em tempo real. Não perguntei como funcionava. Apenas fiz o que me mandaram.
Todas as noites, das 23h às 5h, eu chegava, colocava o fone de ouvido e assistia aos sonhos das pessoas se desenrolarem como filmes granulados e inacabados. Meu trabalho era registrar o que via: Etiquetas. Cores. Símbolos. Emoções. Distorções. A maioria era esquecível — bagunças bizarras e desconexas. Como se a mente estivesse jogando seu lixo no subconsciente.
Assisti a uma mulher reviver seu casamento em um loop onde o rosto do noivo mudava para o de seu cachorro morto. Um homem tinha um sonho recorrente sobre se afogar em cereal. Um cara simplesmente sentava em uma cadeira vermelha em um deserto sem fim por seis horas. Eu não me importava. Apenas etiquetava e registrava. O pagamento era bom. O trabalho era tranquilo.
Até o turno #27.
Naquela noite, o sonho começou com um homem caminhando por um longo corredor branco. Luzes fluorescentes zumbiam acima. Ele usava um moletom escuro. Não consegui ver seu rosto. Seus passos ecoavam. O corredor tinha portas — cada uma com números.
Sala 11. Sala 12. Sala 13…
Ele parou na Sala 16. Abriu a porta e entrou. E eu senti frio.
Não estava mais apenas assistindo. Parecia que… eu estava dentro. Como se meus pensamentos tivessem se fundido aos dele. A sala era familiar. Familiar demais. Paredes brancas rachadas. Uma geladeira pequena zumbindo. Um ventilador de teto com uma pá quebrada. Uma mesa com um laptop velho e uma cadeira azul. Meu quarto. Exatamente como o apartamento onde moro agora. Até o arranhão no batente da janela e a foto de mim com minha irmã no parque de diversões. Na mesa, estava meu diário — aquele que mantenho trancado. No sonho, o homem o abriu. Uma frase estava escrita repetidamente em letras trêmulas:
“Eles também estão te observando.”
Arranquei o fone de ouvido. Aperte o botão de alerta de emergência. Foi a primeira vez que o usei. Ninguém apareceu.
No dia seguinte, exigi respostas. Encontrei a Dra. Kalder, a pesquisadora chefe.
“Que diabos foi aquele último sonho?” perguntei. “Era meu apartamento. Aquele diário — nunca mostrei isso a ninguém.”
Ela nem piscou. “ID# 616-T,” eu disse. “Quem é essa pessoa?”
Ela me encarou por um longo tempo. Então disse, calmamente: “Você foi avisado para não fazer perguntas.”
“Mas sou eu, não é? Eu sou o sujeito. Vocês estão me observando.”
Uma pausa. Um sorriso.
“Não,” ela disse. “Você é apenas o receptor.”
Então ela se afastou.
Depois disso, as coisas pioraram.
Os sonhos não eram mais aleatórios. Todos começavam naquele corredor. O mesmo homem. As mesmas portas. Sala 17. Sala 18. Sala 19...
Todas as noites, ele abria a próxima porta. E, a cada vez, era outro lugar do meu passado. A sala de aula onde molhei as calças na primeira série. O porão da igreja onde encontrei meu tio desmaiado de bêbado. O quarto antigo da minha irmã, na noite após o acidente.
Às vezes, ele apenas ficava lá e olhava. Outras vezes, sussurrava coisas. Uma vez, ele olhou diretamente para a transmissão do sonho e disse: “Por que você mentiu?”
Pareei de dormir. Ia para casa, deitava na cama e sentia que ainda estava sendo observado. A van preta estacionada do outro lado da rua. O piscar da câmera do corredor, mesmo sem ninguém passando.
Comecei a ter sonhos fora do laboratório — sonhos que pareciam os que via no trabalho. Mesmo ângulo. Mesmo homem. Só que agora, eu não tinha certeza de quem estava sonhando com quem.
Então veio o turno #42.
O corredor terminou. Não havia mais portas. O homem parou na última: Sala 23. Dentro, era um breu total. Por um longo tempo, ele apenas ficou lá. Então entrou. E a transmissão morreu. Uma mensagem apareceu na tela: “SINCRONIZAÇÃO MIMIR TERMINADA: ACESSANDO ARQUIVOS DEEPCORE.”
Outra tela surgiu. Uma transmissão dividida. À esquerda: uma visão de câmera ao vivo — a sala de descanso, onde eu estava no intervalo de almoço 20 minutos antes. À direita: um vídeo antigo, imagens granuladas em preto e branco.
Eu me vi… dormindo.
Anos mais jovem. Eletrodos na cabeça. Alguém sussurrando fora da câmera: “Você vai esquecer isso. É melhor que esqueça.” Joguei o fone de ouvido longe. Corri pelo corredor. A porta que achava que levava à saída… tinha sumido. No lugar dela: um corredor branco. Com portas numeradas.
Sala 1. Sala 2. Sala 3…
Não sei quanto tempo estou aqui agora. Algumas noites, acho que escapei. Acordo na minha cama. O mundo parece normal. Até que vejo o homem de moletom do outro lado da rua. Até que ligo meu celular e vejo uma gravação do meu sonho da noite anterior. Acho que o emprego nunca foi real. Acho que nunca saí do laboratório. Ou talvez eu nunca tenha me candidatado, para começo de conversa.
Eu só queria um salário. O que consegui foi um assento na primeira fila para meu próprio colapso. E se alguém estiver lendo isso — se isso aparecer no seu feed — pergunte a si mesmo: quando foi a última vez que você realmente acordou?
Porque estou começando a achar que alguns de nós ainda estão sonhando.
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