terça-feira, 13 de maio de 2025

Há um homem sem rosto que sorri para mim através da minha janela

Há uma luz piscando do lado de fora da minha janela. Ela pisca em padrões, nunca desliga nem para. É metódica. É a única luz do lado de fora da minha janela. Há um homem que me observa pela janela. Ele está sorrindo, mas não tem um rosto para sorrir. Eu moro no terceiro andar. Ele continua sorrindo. Não sei por onde começar minha história, mas vou contá-la. Hoje, o homem não estava na minha janela. Há batidas na minha porta. Acho que é o homem, e acho que ele finalmente quer me cumprimentar, com seu rosto vazio que, de algum modo, sorri. Não há mais chão do lado de fora da minha janela. Não moro mais no terceiro andar, pois não há mais andares, exceto o do meu apartamento. Há estática do lado de fora da minha janela. Acho que já tive um gato. Também acho que o homem não gosta de gatos. Não tenho um gato. Você vai ouvir minha história? Vai escutá-la? Vai me salvar? Será que pode me salvar? Não tenho certeza. Por agora, sento e escrevo meu fim. Por agora, escuto as batidas do homem sem rosto que sorria. Por agora, vou contar o que resta.

Decidi trancar a faculdade no início do ano. Não foi uma decisão impulsiva, mas uma escolha que fiz para me recuperar depois de acabar internado. Foi minha decisão, uma que muitas pessoas não entenderam, e eu não tinha energia para explicar. Acho que estava apenas cansado. Sempre estive cansado, acho. Minha família esteve ao meu lado na maior parte do tempo, embora eu morasse sozinho. Meu pai acabou me dando um gato. O nome dela era Calipso, e ela se tornou meu único conforto enquanto enfrentava cada dia. Passei a maior parte dos dias em casa ou no trabalho. Não saía mais e foquei em tentar melhorar. Pensei que estava melhorando. Até aquele bar maldito. Até ele aparecer.

Há algumas semanas, decidi sair. Foi uma noite rara em que resolvi ir a algum lugar e tentar me divertir como um jovem de 21 anos normal. Decidi tomar um drinque em um bar na cidade. O bar que escolhi era um que eu não conhecia, mas foi o primeiro que apareceu quando pesquisei por bares próximos no Google. Tinha avaliações decentes, então fui. A primeira coisa que me pareceu estranha foi a localização. Ficava um pouco afastado, ainda na cidade, mas não exatamente perto de outros prédios. Ignorei minhas dúvidas e segui em frente.

O bar não era muito grande. Nenhum dos bares na minha cidade é, já que é uma cidade pequena, então, mais uma vez, ignorei a sensação estranha no estômago. O prédio era de tijolos, com uma cor que lembrava sangue seco e rachado. Algumas partes pareciam ter sido consertadas às pressas com cimento, os remendos cinza destacando-se contra os tijolos escuros. As janelas pareciam amareladas, embora pudesse ser pela luz quente que vinha de dentro. Havia trepadeiras subindo pelas laterais, como se amarrassem o prédio, como se a terra quisesse engoli-lo. Talvez quisesse. Ao caminhar até a porta, não prestei atenção ao fato de não haver carros ou pessoas do lado de fora, nem notei que não havia som escapando do prédio frágil e sombrio. Queria ter prestado atenção.

O interior era normal. Havia música tocando, uma pista de dança e um número razoável de pessoas, considerando o lugar afastado. Naquele momento, não percebi que nenhuma das pessoas tinha rosto. Que o jeito como se moviam era irregular e estranho, como alguém tentando manipular um saco pesado de grãos ou uma figura de cera tentando se mover após derreter suas juntas. Sentei no balcão, e um barman se aproximou para anotar meu pedido. Ele tinha um rosto. Pelo menos, acho que tinha. Minha mente não é mais a mesma. Pedi o primeiro drinque que me veio à cabeça e esperei.

Foi quando ele entrou. O ar no bar mudou, e minha cabeça latejou como se todo o sangue tivesse subido para lá. Fiquei paralisado e não queria olhar para quem havia entrado. Meu instinto dizia que, se eu olhasse, seria o fim. Queria ter ouvido meu instinto. Passos se aproximaram de mim, o som alto mesmo com a música vibrante tocando. Ou talvez não estivesse tocando. Talvez nunca tivesse tocado. Os passos pararam atrás de mim, e ele disse algo, mas não compreendi. Era como se meu cérebro estivesse filtrando. Havia um zumbido no meu ouvido e estática atrás dos meus olhos. Eu ainda nem tinha bebido. Ou tinha? Talvez já tivesse bebido.

Eu me virei.

O rosto do homem era estática. Minha visão estava turva, as cores se misturavam, e de repente havia flashes de um bar velho e vazio, com nada além de teias de aranha, sombras e as coisas que se escondiam nelas. Acho que ele era uma delas. As visões eram fugazes, e logo voltei à realidade. Ou ao que acho que era a realidade. Pelo menos, a minha realidade atual. O homem estendeu a mão, e eu a peguei. A estática cresceu. Minha cabeça estava cheia dela. Dançamos. A música era lenta. Ou era rápida? Uma mosca pousou na minha mão. Estava faminta pelo apodrecimento que pairava sob minha pele.

Não sei como cheguei de volta ao meu apartamento, mas o homem estava lá. Toda vez que ele falava, moscas saíam, e a estática ficava mais alta. Mais brilhante. Ele foi embora. As moscas ficaram para me fazer companhia. A semana seguinte foi um borrão, e não sei o que era realidade e o que ele criou. Será que fui trabalhar? Ou estive na cama o tempo todo? Minha família veio me visitar? Eu tenho uma família? Algum dia tive uma? O homem da estática apareceu um dia e me apresentou ao sem rosto. “Ele vai te observar até chegar a sua hora”, sussurra a estática. Minha hora para quê? O fim? O começo? O homem começou a me observar pela janela. Eu moro no terceiro andar. Morava no terceiro andar, não é? Ele observa mesmo assim, sorrindo com seu rosto vazio. Há uma luz persistente que pisca lá fora, além do ombro esquerdo dele. Ela está pedindo ajuda. O homem da estática voltou mais uma vez. Calipso, minha gata, sumiu. Não sei se ela esteve aqui algum dia. Não sei se tive uma gata. O homem da estática disse que era a minha hora, e o homem sorridente não veio mais à minha janela. Não há mais um “lado de fora” para ele observar, então faz sentido. Há batidas na porta.

O mundo se tornou estática, e logo eu também serei. Por enquanto, porém, eu sou…

O que resta.

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Escritor do gênero do Terror e Poeta, Autista de Suporte 2 e apaixonado por Pokémon