O ar passava rápido pelo meu rosto, um barulho ensurdecedor que abafava qualquer outra coisa. Fechei os olhos e tentei imaginar qualquer coisa, menos o mundo ao meu redor. Uma vez, me disseram para lembrar do lugar mais feliz onde estive, que isso me acalmaria. Então, foi o que fiz.
Ondas batendo contra a margem, esse era um começo, e muito melhor do que a corrente de ar que eu estava ouvindo. Ondas batendo. Um ponto de partida para me concentrar. O farfalhar das folhas em uma árvore, com os galhos balançando ao vento em um dia fresco de outono, pouco antes de tudo começar a cair, mas quando os dedos mortais do inverno já começavam a envolver o mundo. O rangido das tábuas do cais enquanto meu pai caminhava sobre suas pranchas gastas e envelhecidas, com pregos saltando em alguns lugares. Ele sempre quis levar alguns materiais para a cabana que tinha no lago e consertá-la, mas, como tudo na vida, uma nova camada de tinta era jogada por fora, enquanto as entranhas eram deixadas para apodrecer e murchar até não restar nada.
O som estridente das buzinas dos carros. Espera, isso não era do lago. Abri os olhos e os fechei rapidamente de novo. O que mais eu poderia lembrar daquele velho lugar?
Sentado na cadeira antiga no cais, observando as ondas passarem. Seu tecido áspero, desgastado por anos sob o sol, sendo corroído pelo vento e pela chuva. A madeira, antes lisa, cedendo aos estragos do tempo, ficando marcada e áspera. Ela passou de um âmbar quente para um cinza frio, como se a vida tivesse se esvaído dela por anos de negligência. Minha irmã sentada ao meu lado, com a cabeça enterrada no celular, como se não pudesse se dar ao trabalho de passar tempo com a família. As coisas não melhoraram depois da nossa última vez na cabana, mas isso deveria ser sobre pensamentos felizes, não sobre me deter nos fracassos da minha vida. O que mais eu vi? Árvores contornando o lago em sua glória outonal, algumas folhas caindo ao chão, mas sendo levadas pela brisa em um último momento de glória antes de serem puxadas de volta ao solo, onde seu destino final as aguardava, uma lenta transição para a decomposição. Elas trariam vida de volta ao mundo, mas não para si mesmas. O carro da família, uma perua vermelha-cereja na qual meu pai gastava tempo demais. Era ultrapassado e segurado por pura teimosia, mas ele despejava todo o seu tempo nisso, não na família. Seus faróis mal funcionavam à noite. Um fato que aprendi da pior forma em uma noite no lago.
Lembrei-me do cheiro e do sabor do ar na floresta. Uma frescura nítida, estranha à minha criação urbana. Sem fumaça de carro para me sufocar lá fora, apenas o aroma das flores murchando e o cheiro da folhagem em decomposição enchendo meu nariz quando íamos para lá todo ano, como se estivéssemos chegando logo após o auge, mas antes que tudo desvanecesse. Minha mãe fritava bacon pela manhã, como se estivéssemos realmente acampando, e o cheiro parecia persistir por boa parte do dia. O cheiro da poeira que subia quando peguei a velha perua para um passeio e bati na cabana.
Abri os olhos novamente. Tudo estava acontecendo rápido demais ao meu redor. A vida vinha em minha direção depressa demais. Fechei os olhos de novo.
Senti os últimos fios quentes do sol se estenderem pelo meu rosto, enquanto os dias de outono davam lugar às noites de inverno, trazendo consigo brisas cortantes que penetravam nos ossos. A sensação das folhas velhas esmagadas sob os sapatos, sem vida para estalar. Apenas restos úmidos e arruinados que grudavam em você. A sensação suave de um volante sob as mãos de um garoto jovem, mal grande o suficiente para enxergar por cima dele. O solavanco do motor quando ele pisava forte demais no acelerador e saía. A queda nauseante no estômago quando ele percebia que não sabia o suficiente para se manter seguro. A explosão de dor quando seu rosto batia no volante, rasgando sua testa enquanto ele atravessava a casa da família. O flash das luzes enquanto era fotografado pela polícia, que lhe fazia perguntas sobre a morte de sua família.
Algo duro atinge meu rosto novamente, e o assobio do vento para.
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