Moramos aqui há bastante tempo e eu realmente comecei a gostar. A casa fica em um bairro pequeno e tranquilo, com pessoas simpáticas. Do outro lado do parque, mora a senhorita Beatriz, uma idosa adorável que já encontrei algumas vezes durante caminhadas. Na frente da nossa casa, mora um casal, Natalie e Adam. Natalie é uma mulher gentil, às vezes acena para nós quando sai para o trabalho. Adam é... peculiar. Já vimos viaturas policiais por causa dele algumas vezes, uma ambulância uma ou duas vezes. Nem todos os vizinhos são perfeitos.
Mas essa história não é sobre os moradores do bairro, não. É sobre algo que tenho visto todas as manhãs ao acordar.
Acho que a primeira vez que vi foi há duas semanas. Acabei de acordar e, como sempre, precisava usar o banheiro. Depois de usar a luz do celular para encontrar meus óculos, levantei e fui até o banheiro, que fica convenientemente ao lado do meu quarto.
As paredes do corredor têm sensores de luz que meu pai instalou porque ele já tropeçou no gato muitas vezes. Eu os via acender de vez em quando quando ia me deitar, já que nosso gato, chamado Hades, gosta de passear pela casa enquanto dormimos.
As luzes acenderam quando saí do quarto, guiando-me até a porta aberta do banheiro, a poucos passos dali. A casa estava silenciosa, exceto pelos roncos da minha mãe, que ecoavam do quarto deles, com a porta aberta. Eles sempre a deixam aberta por causa do Hades, já que a caixa de areia dele fica no banheiro deles, então, como sempre, não dei muita atenção. Entrei no banheiro e fiz o que precisava.
Saí depois de alguns minutos, mas parei na porta. Senti como se estivesse sendo observado. Ligando a lanterna do celular, iluminei a sala de estar e vi Hades no tapete, encarando-me profundamente.
"Hades!" Ri, abaixando a luz para não ofuscá-lo. "Seu danadinho, são seis da manhã. O papai vai levantar em uns vinte minutos pra te dar comida."
Ele não gostou muito da resposta, soltando um miado alto antes de correr e virar a esquina em direção à cozinha. Revirei os olhos enquanto o via ir, dei uma olhada no quarto dos meus pais e me virei para voltar ao meu quarto.
Mas parei.
Eu tinha visto... algo.
Foi só um relance, mas juro que vi algo parecido com um rosto antes de me virar. Era branco, não totalmente, mas como uma porcelana antiga. Estava bem na porta do quarto dos meus pais, e eu podia sentir seus olhos fixos nas minhas costas. Não sabia o que fazer, então apenas entrei no meu quarto e fechei a porta, porque, sério, o que eu poderia fazer?
Depois disso, passaram pelo menos dois dias sem que eu o visse, mas pensava nisso a cada minuto. O que poderia ser? Um espírito, talvez? Não seria a primeira vez que vi um, talvez a terceira ou quarta. Um pequeno "dom" que herdei do lado da família do meu pai.
Mas, mesmo que fosse, nunca tinha visto um espírito assim antes. Normalmente, eles são completamente pretos, quase como sombras. Esse era branco e parecia sólido, como se fosse uma pessoa de verdade.
Não contei aos meus pais. Eles não acreditariam mesmo; nunca acreditam mais. Eles apenas me distrairiam, fingindo que acreditam em cada palavra até eu parar de falar sobre isso. E se eu insistisse? Simplesmente me ignorariam. É sempre assim.
No quinto dia, vi algo novamente. Estava no outro canto da sala de estar, como da última vez. Ainda era branco, ainda estava de pé. Mas agora parecia diferente. Mais como um cachorro, daqueles com focinho bem longo, só que esse era ainda mais alongado. Só conseguia ver a metade frontal, já que o resto estava na esquina da cozinha. O nariz dele pendia pesadamente, quase tocando o chão. Eu podia ver ele se mexendo, como se estivesse farejando o piso de madeira na frente da poltrona.
Ele olhou para mim.
Eu olhei de volta.
Vi ele dar um passo à frente com a pata e corri de volta para o meu quarto, trancando a porta. Nem arrisquei ir ao banheiro, apenas fiquei no meio do quarto, segurando a vontade, até ouvir meus pais se movimentando pela casa na rotina matinal. O pior não foi nem ele ter se movido para se aproximar.
Foi que ele já estava mais perto.
Passou uma semana até eu reunir coragem para ir ao banheiro de manhã cedo novamente. Por sorte, não vi aquela criatura estranha quando saí para o corredor, então apenas entrei no banheiro e me sentei no vaso. Não devo ter ficado lá nem três minutos quando, de repente, ouvi o miado do Hades do outro lado da porta.
"Sim, sei que você está aí, Hades. Saio em alguns minutos." Recebi outro miado alto em resposta, seguido pelas unhas dele arranhando levemente a porta. Ele fazia isso a cada poucos dias quando queria atenção extra, e eu não me importava. Respondia a cada poucos segundos para acalmá-lo ou fazia um som de "pspsps" que ele adorava.
Havia uma pequena fresta sob a porta por causa de uma peça de madeira elevada na entrada. Era uma peça de transição estranha para separar o piso entre as partes internas da casa e cada cômodo. Hades gostava de enfiar as patas ou até o focinho por essa fresta para me chamar. Coisas normais de gato.
Ele miou mais uma vez, um pouco agudo e prolongado, o que eu sabia que significava que ele estava ficando cansado de esperar. "Você é tão impaciente." Ri, jogando um jogo no celular enquanto ouvia o som familiar das patas dele indicando que estava se afastando. Realmente impaciente.
Levantei após uns dez minutos, abaixei a tampa do vaso, dei descarga e alcancei a torneira para lavar as mãos. Mas parei, porque, justo antes de tocar o vidro, ouvi um miado.
Mas não era o Hades.
Era mais grave e prolongado, como se alguém estivesse imitando a voz dele. Mas não era uma imitação zombeteira; era uma cópia. O que quer que estivesse do lado de fora do banheiro miou uma segunda vez, depois uma terceira. A cada miado, parecia ficar mais agudo e curto, quase como se estivesse tentando aperfeiçoar o som que o Hades fazia todas as manhãs pedindo comida.
Então veio o arranhar. O farejar.
Estava tentando passar pela fresta.
Subi no balcão da pia e pressionei minhas costas contra o espelho enquanto os sons ficavam mais altos. A maçaneta girava repetidamente, num chacoalhar desesperado; garras longas vinham de baixo da porta, deixando marcas de arranhões no lado de dentro. O som me dava vontade de vomitar, ecoando na minha mente como uma mosca nojenta tentando escapar.
Os miados continuaram, altos e graves, até virarem praticamente gritos para que eu saísse. Tampei os ouvidos para tentar abafar o som, mas era quase como o canto de uma sereia, alojando-se no meu cérebro como um tumor asqueroso.
Então, de repente, parou. A princípio, pensei que tinha ficado surdo e, honestamente, até achei a ideia bem-vinda. Qualquer coisa era melhor do que ouvir aquele monstro tentando entrar no único lugar onde me sentia seguro naquele momento. Mas não, ele se afastou completamente da porta.
Por cerca de dez segundos.
Uma garra começou a arranhar a porta enquanto um focinho branco com bigodes cinza-claros se projetava pela fresta, subindo quase trinta centímetros no ar. A ponta se mexia, e fui forçado a assistir e ouvir enquanto ele farejava o cômodo, batendo na banheira, nas paredes, no piso. Como se estivesse procurando algo. Procurando por mim.
Tentei ficar o mais quieto possível, mesmo com os olhos marejando e as pernas começando a travar. Vi ele se erguer completamente, dar uma grande fungada no ambiente e, então, virar-se para mim.
Ele me encontrou.
"Mamãe!" Gritei, com o corpo tremendo como uma folha enquanto batia o punho contra a parede para fazer o máximo de barulho possível. Gritei, solucei, não parei até ele recuar para o corredor e sumir de vista. Mas, mesmo com ele fora, não parei de fazer barulho, não até minha mãe correr pela casa e começar a bater na porta para tentar entrar.
Contei tudo a eles, tudo. Desde a primeira vez que o vi até o encontro traumatizante no banheiro.
"Foi só um pesadelo, querida... não foi real." Minha mãe repetiu essa frase pelo menos uma dúzia de vezes para tentar me acalmar, mas eu sabia que não era verdade. Já tive muitos pesadelos ao longo dos anos, sei quando minha mente está me enganando. Isso? Isso foi real.
Como eu disse, eles não acreditaram em mim. Estou sozinho para lidar com essa... coisa. Não sei nem como chamar isso agora. No começo, achei que fosse um espírito, mas agora parece mais um demônio.
São dez da noite agora, e estou deitado na cama com uma das facas da cozinha escondida sob o travesseiro. Realmente não quero mais ficar nesta casa, mas, se vou ser forçado a isso, pelo menos terei algum tipo de proteção contra aquela besta se ela tentar vir atrás de mim novamente.
Estou com dificuldade para dormir, obviamente. Liguei uma série aleatória na TV só para não ficar no escuro ou em silêncio total. Mas, mesmo com a TV ligada, consigo ouvir cada pequeno som do resto do mundo. O zumbido do aquecedor ligando e desligando, o leve tamborilar da chuva no telhado, o barulho ocasional de um trem ao longe. Um som cortou todos os outros.
Passos.
Eram baixos, pesados. Um movimento lento que vinha da sala de estar, do outro lado da casa, até o corredor do outro lado.
O sensor acendeu. Posso ver sombras do lado de fora da minha porta e ouvir o miado suave do Hades vindo do outro lado.
Mas o Hades está na minha cama, enroscado aos meus pés.
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