sexta-feira, 2 de maio de 2025

Alguém Pintou Minha Casa. Eu Não Moro Mais Lá

Minha casa era vermelha. Tijolos aparentes, dois andares, telhas pretas, quintal na frente e nos fundos.

Fiquei fora por apenas uma semana. Agora, minha casa é branca.

Nada foi roubado. Não havia portas destrancadas. Nenhum alarme foi disparado. Nada foi destruído, derrubado, amassado ou dobrado, nada estava fora do lugar... Nada. Mas agora, minha casa é branca.

Meus vizinhos disseram que os pintores chegaram no primeiro dia em que saí. Chegaram em uma van e tudo mais. Tiraram as escadas, vestindo macacões, colocaram os baldes no chão e começaram a pintar. Quando a noite chegou, eles foram embora. Quando a manhã veio, voltaram e continuaram pintando até que toda a minha casa estivesse branca, de ponta a ponta. Depois, simplesmente... foram para casa.

Eu não sabia ao certo o que fazer. Não existe exatamente um protocolo estabelecido para quando pessoas desconhecidas decidem reformar espontaneamente sua casa. Suponho que algumas pessoas até ficariam agradecidas. Eu não era uma delas.

Não posso dizer que senti muito desconforto quando desci do táxi. Afinal, ainda era minha casa, só parecia um pouco diferente por fora. Acho que comecei a sentir algo estranho quando percebi que, por dentro, nada havia mudado. Nem um fio de cabelo estava fora do lugar. Foi então que me dei conta: alguém pintou minha casa. Só isso. Não fui roubado, não houve arrombamento, ninguém bagunçou o lugar, mas alguém pintou minha casa.

Tive os sonhos mais horríveis naquela noite. Sonhos com a casa. Sonhos em que eu caminhava pela calçada nas horas mais estranhas da noite; passando por casas escuras e vazias; esgueirando-me sob as lâmpadas de rua piscando... De repente, eu estava lá. Em casa. Deslizei pelo caminho de entrada, coloquei as chaves na porta... Estava muito escuro e tão, tão silencioso. E, perto da escada, uma porta.

Eu não fui até a porta; a porta veio até mim. Me acolheu sem uma palavra. Para o porão. Era tão sujo e seco, e diante de mim havia um buraco onde haviam sido jogados todo tipo de relógios de pulso, smartphones, baralhos, carteiras, cordas, escovas de cabelo, escovas de dente, pentes, garrafas de água sanitária, latas de creme de barbear... A lista continuava.

Sem precisar olhar, vi acima do buraco, suspenso por apêndices lisos e queratinosos, um globo disforme de carne cinza e lisa, do qual pendia uma traqueia e um par de pulmões bulbosos que balançavam frouxamente sobre o buraco.

Senti como se pudesse ter mergulhado naquele abismo se não tivesse sido acordado por uma voz vinda do andar de baixo. Havia alguém lá embaixo e, com uma voz muito rouca, ouvi gritarem: “Tony! Tony!” Havia alguém na minha casa.

Peguei meu celular na mesa de cabeceira, me escondi debaixo da cama e disquei 190. Pude ouvi-los chegando com a orelha colada no chão.

Eles o algemaram, sentado no banco de trás da viatura, com a cabeça para fora da janela, ofegando como um marinheiro enjoado prestes a vomitar.

Quase senti pena dele. Ele estava tão pálido, tão magro, tão miserável. Não sei exatamente por quê, mas não pude evitar de segurar meu casaco fechado quando seus olhos encontraram os meus.

“Aqui,” disse uma voz no meu ouvido direito. Um dos policiais pegou meu pulso e colocou algo suavemente na minha mão. Minhas chaves.

“Ele pegou minhas chaves?” perguntei, sem pensar.

“Cara, eu não peguei nada,” ouvi o invasor resmungar antes de jogar a cabeça para trás, com a mandíbula aberta. “Elas foram dadas pra mim, Tony deu elas pra mim.”

Olhei para o policial à minha direita. Ele apenas levantou a mão, como quem diz “Não ligue pra ele”, enquanto ele e o outro oficial entravam silenciosamente no carro.

“Que palhaçada, cara,” o invasor murmurou, agora se virando para mim, vendo, imagino, a evidente falta de interesse dos policiais. “Tô te falando, Tony deu elas pra mim, disse que eram pra casa branca.”

Acho que um dos policiais começou a fechar a janela, e meu invasor bateu os pulsos algemados violentamente contra a grade de proteção. “Tony, cara! Mano disse pra entrar e descer!”

Descer onde, não sei ao certo. Ele apenas continuava gritando “descer, descer, descer,” enquanto o motor da viatura roncava e o carro se afastava na noite.

Mais uma vez, eu estava sozinho. Estava muito frio lá fora, úmido e gelado... Lá fora, tinha gosto de noite. Não queria nada além de voltar para dentro e me arrastar de volta para a cama, tentar acalmar meus nervos e desacelerar meu coração disparado, mas por um tempo danado não consegui fazer nada além de encarar a casa do outro lado da rua, pois não conseguia me virar para enfrentar o que estava atrás de mim.

Voltei para dentro naquela noite, mas mantive a cabeça baixa. Não queria ver; não queria ver minha casa, minha casa que alguém pintou de branco, e enquanto entrava com o olhar fixo no chão, levantei o braço como de costume e joguei as chaves na tigela perto da porta, mas não ouvi o habitual som oco, e sim um clangor metálico gelado.

Acho que já sabia antes mesmo de olhar. Lá, na tigela, estavam dois conjuntos de chaves. Dois conjuntos idênticos, indistinguíveis, sem vida. Chaves da minha casa, que alguém pintou de branco. Essas não eram minhas chaves. Meu invasor conseguiu essas chaves em algum lugar. Talvez “Tony” realmente tenha dado essas chaves a ele – dado essas chaves, dito para ir até a casa branca na Sable, minha casa, minha casa que alguém pintou de branco, e descer.

Como se estivesse fora do meu controle, me vi lentamente, muito lentamente, olhando para as escadas. Não podia vê-la, mas a sentia. Aquela porta. A porta que descia.

Não consegui passar mais um segundo naquela casa. Apenas entrei no meu carro e saí. Minhas coisas ainda estão todas lá – meu notebook, TV, roupas, tudo – mas não posso voltar. Fui deixado com nada além de uma casa branca que não consigo nem olhar mais, e esse sentimento horrível de que, toda vez que fecho os olhos à noite, há uma chance de abri-los e me encontrar de volta lá. Eu realmente poderia usar alguns conselhos. Por favor, me ajudem.

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