Acabei de trancar tudo para a noite, mas decidi dar uma boa limpeza no meu Jeep antes de ir para casa. Vantagem do emprego: eu tinha as chaves e ninguém para me apressar. É estranhamente tranquilo àquela hora. Silencioso. Parado. Apenas o zumbido constante das luzes e o ocasional rangido do vento frio pressionando o prédio.
O lava-jato tinha piso aquecido, o que parece ótimo até você misturar isso com um ar a cinco graus acima de zero. O resultado é névoa. Uma névoa densa e lenta que abraça o chão e sobe pelos tornozelos, como se quisesse te segurar.
Manobrei meu Jeep para dentro e pressionei o botão de desbloqueio para abrir as portas do lava-jato. As luzes zumbindo piscaram uma vez, depois se estabilizaram naquele brilho amarelo opaco que sempre emitiam — suficiente para enxergar, mas fraco o bastante para fazer as sombras parecerem vivas. Liguei a lavadora de pressão e comecei pelo teto do veículo, descendo aos poucos.
Estava enxaguando o teto, tentando ignorar como a névoa se espalhava pelo chão como tentáculos, quando cheguei ao para-brisa traseiro. Ajustei a pegada na escova e comecei a esfregar.
Enquanto esfregava o vidro traseiro, algo me fez parar.
Movimento.
Era sutil, distorcido por trás do sabão e da leve névoa dentro das janelas do Jeep — mas estava lá. Uma forma. Uma silhueta.
Congelei. Meu braço ficou parado no meio do movimento, com espuma pingando da escova. Pisquei com força e me aproximei.
Meu peito apertou, mas estava lá.
Alguém estava dentro do meu Jeep.
Fiquei paralisado por um segundo inteiro, talvez dois.
Minha boca secou.
Quando limpei as bolhas do vidro com a luva, o banco estava vazio.
Nenhuma porta aberta. Nenhum som de fechamento. Nenhuma pegada. Apenas minha própria respiração embaçando o vidro traseiro novamente.
Dei uma risada trêmula, tentando me convencer de que era um truque da luz. Ou talvez eu estivesse apenas cansado. Afinal, tinha trabalhado um turno dobrado naquele dia, mas continuei a lavagem.
Estava agachado, esfregando o painel inferior do lado do passageiro, quando percebi algo pelo canto do olho. Apenas um lampejo — como um espasmo no olho quando você fixa o olhar por muito tempo. Parei, pisquei e me inclinei um pouco para o lado para ter uma visão melhor sob o chassi.
Foi quando vi. Pés.
Apenas dois pés pálidos, descalços e sujos, parados na névoa do outro lado do meu veículo.
Levantei-me rápido, a escova escorregando da minha mão e caindo no concreto molhado. O som pareceu alto demais, ecoando nas paredes de azulejo. Meu coração batia forte no peito. Respirei fundo e contornei a traseira do Jeep, meio esperando — meio temendo — encontrar alguém cara a cara.
Mas não havia nada. Apenas a névoa e o zumbido fraco das luzes fluorescentes no teto. E aquele som constante de água escorrendo para o ralo no chão.
Aquilo mexeu comigo. Não estava apenas assustado — agora eu estava com medo. Realmente com medo. Girei lentamente, examinando a baia. A névoa rodopiava em espirais lentas aos meus pés. A luz acima zumbia mais alto que antes, quase como se reagisse ao meu pulso.
Tentei me convencer de que alguém poderia ter saído quando contornei o Jeep antes. Talvez eu simplesmente não tenha visto. Isso fazia mais sentido do que fantasmas ou... sei lá o quê.
Mas, pensando bem, eu não tinha ouvido nada. E não havia pegadas molhadas — apenas as minhas.
Agachei-me e olhei sob o Jeep. Vazio. Apenas o chassi escuro e molhado, com vapor subindo do piso aquecido como se tivesse vida. Continuei vendo formas na névoa — rostos que desapareciam quando eu virava a cabeça. Dedos de névoa que pareciam mãos esticadas, apenas para se dissolverem quando eu piscava.
Levantei-me e apenas encarei o veículo. Ele parecia diferente agora. Como o carro de um estranho. Mesmo modelo, mesmos pneus, mas não parecia mais meu. Era como se algo tivesse mudado.
A névoa estava densa agora. Não apenas girando no chão, mas subindo pelas laterais do Jeep, rastejando pelas paredes. A baia inteira parecia menor. O concreto ecoava diferente — quase como se estivesse abafado por algo além da névoa. A lavadora de pressão estava aos meus pés, a mangueira enrolada como uma cobra, com água pingando do bico e desaparecendo no chão coberto de vapor.
Forcei-me a continuar. Precisava terminar. Só enxaguar e ir para casa. Só sair dali.
Peguei o pulverizador e comecei a enxaguar, o jato de água cortando a névoa como um feixe de luz. Observava o sabão escorrer do capô e correr para o ralo quando ouvi.
Um som de arranhar. Longo. Lento. Metálico.
Parei, com a água ainda escorrendo do bico. O som veio de baixo do Jeep. Como se algo estivesse sendo arrastado pelo metal.
Desliguei o pulverizador e me agachei novamente. E juro por Deus, por uma fração de segundo, vi dedos. Dedos longos e pálidos, com sujeira sob as unhas, agarrando a borda da tampa do bueiro perto do ralo.
Pisquei, e eles sumiram. Mas a tampa do bueiro — ela tinha se movido.
Não muito. Apenas alguns centímetros. Mas o suficiente.
Dei um passo lento para frente. Depois outro. A tampa tinha sido deslocada de sua ranhura, revelando um buraco negro abaixo. O metal estava molhado, arranhado. Como se algo — ou alguém — o tivesse forçado a abrir.
Foi o suficiente. Chega.
Corri para a parede e bati no botão para abrir a porta da garagem. Ela gemeu e começou a subir lentamente, deixando entrar uma rajada violenta de vento gelado. A névoa dentro da baia explodiu, como se estivesse fugindo de algo. Eu mal conseguia enxergar três metros à minha frente.
Corri para o Jeep, pulei para dentro, tranquei as portas e girei a chave. O motor rugiu ao ligar.
Engatei a ré e saí acelerando quando ouvi um guincho.
Um barulho vindo de baixo do prédio. Debaixo do chão.
Não olhei para trás. Engatei a marcha e acelerei, os pneus girando antes de pegarem tração. Saí derrapando do estacionamento, quase batendo no meio-fio gelado, com as rodas traseiras deslizando.
Não parei de dirigir até chegar à rodovia. Não parei de olhar pelos retrovisores por quilômetros. Não dormi naquela noite, nem muito na semana seguinte.
No dia seguinte, liguei para o trabalho. Disse ao meu chefe que estava fora. Sem aviso. Sem explicação. Ele nem pareceu surpreso, apenas suspirou, como se já tivesse ouvido isso antes.
Não sei o que vi naquela noite. Não quero saber. Só sei que nunca mais piso naquele lava-jato.
Então, se você se encontrar sozinho numa baia enevoada, com as luzes zumbindo acima e a água escorrendo para o ralo... mantenha os olhos fixos à frente.
Não sei ao certo o que vivi naquela noite, mas colocar isso para fora já parece um bom começo para entender.
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