Tudo começou com um zumbido.
Moro sozinho nos arredores de uma cidade moribunda no norte do Arizona. O vizinho mais próximo está a cinco milhas. É assim que eu gosto — silencioso, sem perturbações. Sou notívago por hábito, sempre mexendo com rádios amadores antigos no meu barracão, vasculhando o chiado como se pudesse sintonizar Deus.
Naquela noite, não era Deus.
Por volta das 2h13, o chiado no meu receptor mudou para algo rítmico. Um pulso. Suave no início. Depois mais alto. Depois palavras. Não em inglês. Não em nada que eu conhecesse. Apenas uma voz embaralhada repetindo algo, falhando como um CD arranhado...
Eu congelei. O sinal não estava ricocheteando em nada local. Eu tinha o equipamento pra saber — vinha direto do céu. Direto.
As luzes do barracão piscaram. Meu rádio entrou em curto. E então… silêncio. Sem grilos. Sem vento. Nem mesmo o zumbido das linhas de energia na estrada. Era como se o mundo tivesse inspirado e esquecido como expirar.
Então o céu se partiu.
Não era trovão. Não era relâmpago. O maldito céu se partiu. Rachou numa linha irregular de luz — como um espelho quebrado sangrando branco. E daquela fissura, algo deslizou pra fora.
Não consegui ver claramente no começo — apenas movimento. Um brilho, como óleo na água, distorcendo o ar ao redor. Então se solidificou. Alto. Magro. Membros longos demais, como se alguém tivesse esticado um humano até quase quebrar.
Não caminhava. Desdobrava-se.
Eu não me mexi. Não conseguia. Cada instinto me dizia pra não piscar, não respirar. Eu era a presa, e aquela coisa… era a armadilha.
Ela me olhou. Sem olhos, mas eu sabia que olhava. Senti dentro da minha cabeça, como uma agulha fria costurando memórias. Infância. O enterro do meu pai. A primeira vez que beijei uma garota. Tudo isso, peneirado em segundos. Ela me provou.
Então falou — sem boca, sem som. Apenas um pensamento, alto como trovão e escorregadio como óleo.
“Não está pronto.”
Eu desmaiei. Não lembro de cair, mas acordei na terra horas depois, sangue seco ao redor do nariz e das orelhas. Meu relógio estava parado às 2h13. O céu acima estava calmo novamente. Mas havia pegadas. Impressões longas, profundas — com três dedos, como garras — saindo do barracão em direção ao bosque.
Eu deveria ter fugido. Deveria ter chamado alguém. Mas a curiosidade é uma doença.
Então eu segui.
O bosque estava errado. Árvores inclinadas pro lado errado, sombras se mexendo quando nada se movia. Quanto mais fundo eu ia, mais silencioso ficava, até que nem meus próprios passos faziam som.
Encontrei o círculo numa clareira. Queimado na terra. Carbonizado, enegrecido, mas pulsando levemente sob as cinzas. No centro: um cubo pequeno, metálico. Liso. Sem emendas. Sem reflexos. Apenas frio.
Eu o peguei. Esse foi meu segundo erro.
No momento em que meus dedos tocaram o metal, algo estalou no meu cérebro. Como uma porta se abrindo. Imagens inundaram minha mente — flashes de cidades derretendo, pessoas levitando em feixes de luz, o tempo colapsando sobre si mesmo. Uma contagem regressiva começou atrás dos meus olhos.
“Não está pronto”, a voz ecoou novamente, mais fraca dessa vez, como se estivesse enterrada atrás de um vidro.
Quando acordei de novo, o cubo tinha sumido. Mas algo ficou.
Agora eu ouço todas as noites — o zumbido. Está mais alto agora. Constante. Há algo por baixo disso, também. Um sussurro. Palavras que eu não deveria entender, mas entendo.
Eles estão voltando.
Não só por mim. Por todos.
Acho que fui escaneado. Marcado. Como um espécime numa placa de Petri. E aquele cubo? Não era um presente. Era uma chave.
Vi o céu se partir mais duas vezes desde então — fendas rápidas, sumindo em segundos. Sempre seguidas de luzes nas árvores, animais agindo estranho, eletrônicos morrendo sem motivo. Da última vez, meu reflexo não era eu. Só por um segundo. Mas ele sorriu.
Não durmo mais. Não de verdade. Vejo a forma deles na neblina, nas minhas janelas à noite, pairando logo atrás do vidro. Observando. Avaliando.
Esperando a contagem regressiva acabar.
E está quase na hora.
Eles disseram que eu não estava pronto.
Mas acho que todos estaremos… em breve.
E não teremos escolha.
Vou manter vocês atualizados… se eu conseguir. Se eu ainda for… eu.
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