Quando tínhamos doze anos, Eli organizou uma noite de acampamento no quintal da casa dele, bem na divisa com o bosque que todos na cidade diziam ser amaldiçoado. Sempre havia rumores sobre aquele lugar — coisas estranhas que aconteciam lá, pessoas que entravam e nunca mais saíam. Ninguém falava isso abertamente com frequência, mas, se você passasse por ali numa noite escura, podia sentir o peso dessas histórias sobre você.
Era o meio do verão, uma daquelas noites em que o ar era denso e quente, e o canto dos grilos era tão alto que abafava todo o resto. Parecia uma noite em que qualquer coisa poderia acontecer, quando a linha entre o que era real e o que não era ficava tão tênue que fazia você questionar tudo.
Por volta da meia-noite, Eli, que sempre tinha o hábito de levar as coisas um pouco além dos outros, nos desafiou a cruzar a linha das árvores. Havia um ponto a uns seis metros dentro do bosque, um círculo estranho de bétulas — quase imperceptível durante o dia, mas que, à noite, parecia... errado. As árvores eram finas e brancas, com cascas lisas, mas retorcidas de um jeito que as fazia parecer quase sobrenaturais. Todos nós já tínhamos visto aquele círculo antes. Não havia muito o que notar. Apenas algumas árvores que cresciam num padrão esquisito, seus troncos curvados como se tentassem se tocar. Durante o dia, era fácil ignorar, mas sob a luz pálida das nossas lanternas, aquelas árvores pareciam quase... erradas. Pareciam ossos. Como se não devessem estar ali.
Nós nos reunimos no círculo, tentando fingir que não estávamos com medo. Tentando provar que éramos corajosos. Mas havia algo diferente naquele lugar. Estava quieto demais. Um silêncio tão profundo que você podia ouvir o próprio coração batendo nos ouvidos. Sem vento, sem insetos. Apenas o som da nossa respiração, curta e hesitante.
“Por que tá tão quieto?” Lucas perguntou finalmente, a voz baixa, como se tivesse medo de quebrar o silêncio.
E estava mesmo. O zumbido típico da noite tinha sumido. Éramos só nós, parados naquele círculo, cercados por um vazio. Parecia que estávamos esperando por algo. Ou talvez algo estivesse esperando por nós.
Eli riu, quebrando o silêncio, tentando fazer pouco da situação. “E se a gente estiver invocando fantasmas?” brincou. Ele disse isso como se fosse só uma ideia aleatória, mas a voz dele tremeu no final, como se não tivesse certeza de que era só uma piada.
Como se fosse uma deixa, logo depois que ele falou, todas as nossas lanternas piscaram e apagaram ao mesmo tempo. A escuridão repentina parecia densa, como se estivesse nos pressionando. Mexemos nas lanternas, tentando ligá-las de novo, mas elas não funcionavam. O silêncio parecia se estender, como se o próprio mundo estivesse prendendo a respiração.
E então ouvimos — um estalo, uma galho se quebrando atrás de nós.
Todos giramos ao mesmo tempo, a escuridão engolindo tudo ao nosso redor. Nossas vozes ecoaram na noite, chamando uns aos outros, rindo nervosamente, fingindo que não estávamos morrendo de medo. Mas ninguém se mexeu. Ficamos parados no centro do círculo, congelados.
Quando as lanternas voltaram a funcionar, Eli tinha sumido.
Procuramos por ele pelo que pareceram horas. Gritando seu nome, correndo entre as árvores, tropeçando nos arbustos, chamando, rezando para que ele pulasse de trás de uma árvore e risse de nós, dizendo que era tudo uma brincadeira. Mas não o encontramos.
Corremos de volta para a casa dele, batendo na porta até a mãe dele aparecer, meio dormindo, confusa. Ela chamou a polícia na hora. Eles vieram naquela mesma noite, e no dia seguinte, e até na semana seguinte. Revistaram o bosque, verificaram cada centímetro daquela área, mas não encontraram nada. Nenhum sinal de Eli.
Quase uma semana depois, os policiais encontraram os sapatos dele. Estavam bem no centro do círculo de bétulas, ainda amarrados. Sem pegadas levando a lugar nenhum. Só os sapatos, ali, como se tivessem sido colocados com cuidado.
As árvores cresceram mais densas com o passar dos anos, o bosque engolindo aos poucos aquela parte da terra. Toda vez que passo por ali, sinto que o lugar ficou um pouco mais escuro. Um pouco mais próximo.
Não falamos muito de Eli hoje em dia. Não de verdade. Mas às vezes, quando o ar fica pesado, quando o céu começa a escurecer cedo demais, Lucas me diz que consegue ouvir Eli chamando ele do bosque. Logo após o anoitecer, ele diz. Um sussurro no vento. Uma voz que ele reconhece, mas nunca consegue identificar de verdade.
Ninguém mais se aproxima do bosque agora. E também não fazemos mais noites de acampamento.
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